Entrevista com o cientista Estevão Monteiro de Paula
Estevão Vicente Cavalcanti Monteiro de Paula é um de nossos melhores pesquisadores, no sentido da produção do conhecimento, da motivação para consolidar saberes e disseminar a informação em benefício da sociedade, ou seja, um cientista no sentido amplo do termo. Uma narrativa brilhante, com substantivos robustos e parcos adjetivos. Seus comentários, ao mesmo tempo simples diretos e de longo alcance, traduzem bagagem alentada e seriedade de opiniões. Temos 30 anos de jornada iniciada na Pauliceia desvairada atrás de profissionais qualificados que pudessem agregar saberes, lições e paradigmas para nossa sociedade noviça em algumas áreas do conhecimento. Com essas reminiscências começamos a prosa a seguir, na sequência dos debates e textos sobre a II FEIRA DO POLO DIGITAL DE MANAUS. Confira!
Follow Up: Manaus se plugou em definitivo em seu Polo Digital? O que você destaca no clima de ebulição dentro de sua utopia visionária para o AMAZONAS do Polo Tecnológico de Produtos Sustentáveis?
Estevão Monteiro de Paula – Estou acompanhando os movimentos que agitam a cultura inovadora que se entranha nas novas gerações. Isso é muito estimulante. Tenho conversado frequentemente com Sandro Breval, uma cabeça à frente de nosso tempo. Com seus pares da academia local e global ele desenvolve modelagens inteligentes trazendo soluções para algumas empresas do PIM. Uma apresentação que deveria ter ocorrido desde a primeira hora do Polo Industrial de Manaus. Esta II Feira do Polo Digital é mais do que um embrião e vai consolidar muitas iniciativas que estão em ebulição e precisam de espaço e apoio para progredir e superar alguns gargalos.
FUP – O que tem atrasado esta evolução?
EMP – Está faltando maior produção e articulação de conhecimento. Acontece que todas estas propostas são multidisciplinares e existe carência de conhecimento em algumas outras áreas. Hoje, não adianta perguntar quantos professores doutores existem em um determinado departamento. É necessário perguntar as disciplinas que estão sendo dadas pelos professores doutores existentes e como eles estão buscando conectar as informações à luz das demandas da Indústria e do mercado. Por exemplo, a industria 4.0 demanda internet das coisas, e no levantamento que fiz no ano passado descobri que entre os artigos acadêmicos, teses e dissertações, produzidos pela inteligência no Amazonas só 1% tratava de internet das coisas, a mesma coisa acontece com banco de dados, Data Base, que também é essencial para Indústria 4.0
FUP – Para onde estamos indo, então? Podemos pensar em novos polos de Tecnologia, Biotecnologia, e em todas as vocações de negócio em nossa região?
EMP – Temos uma geração de pesquisadores vibrantes, como Sandro Breval, de quem devemos nos orgulhar, que estão construindo caminhos. Precisamos perguntar qual é a base de conhecimento que estamos produzindo para gerar os produtos inteligentes (algorítimos, sistemas, logicas, modelos matemáticos etc) de que precisamos para enveredar pela inovação em todas as áreas, bioeconomia, nanobiotecnologia, novos materiais e configurações biomoleculares a partir do universo nano. É preciso deixar bem claro que temos talentos nestas áreas. Mas precisamos, de mais matemáticos, físicos e evidentemente das diversas engenharias. O Brasil tem muitos cérebros em outras plataformas fora do país embora muitos aqui ainda estejam subaproveitados.
FUP – Faltam professores, mais intercâmbio, mais convites e atração de novos talentos?
EMP – Quando a Novartis saiu do Brasil na virada do milênio, foi para Singapura e de lá atraiu, com amparo do governo, os 100 melhores cientistas do mundo. E a partir daí construiu uma cidade de Biotecnologia. Hoje se presta homenagem ao papel do professor. Não é fácil ser professor nos dias atuais. Não estou falando de compensação financeira. Estou falando na competitividade e competência que o professor tem para manter o aluno atento as nossas explicações. Precisamos inovar, promover interesse, mostrar o caminho que podemos seguir para aprender determinado assunto, ser um animador, capacitá-los ao exercício da crítica, questionamentos dos desafios que enfrentam para soluções de problemas práticos de engenharias. Provê-los de princípios éticos e morais.
FUP – Tem hora que bate um saudosismo diante da velocidade das mudanças. E se não acompanhamos a movimentação perdemos a capacidade de interlocução. É isso?
EMP – No nosso tempo, amigo Alfredo, nós esperávamos ansiosos pela informação do professor, seu posicionamento e palavras de elucidação, principalmente em Manaus, por seu afastamento dos grandes centros. O professor era o cara.Sem livros,com poucos acervos de informações técnicas, nos encantávamos muitas vezes só com as aulas. Hoje, a mesma informação que disponho, o aluno dispõe. Lembro-me que, tinhos um professor de família conhecida de Manaus, formado no Rio de Janeiro. Dava aulas de material de construção no primeiro e segundo ano de engenharia. Numa das provas ele colocou uma questão que usava a palavra ecologia. Nós, alunos de engenharia civil, preocupados com álgebra, matemática, estabilidade estrutural,, etc. não conhecíamos essa palavra ecologia. Os desafios acontecem ainda maiores para os professores do fundamental que devem está preparado para intolerância de alunos, grosseria e muitos deles inclinados para a violência . Pergunto: Isso é fruto da sociedade, ou é fruto de um erro sistemático da forma adotada pelo Brasil de educar as crianças desde o jardim de infância.
FUP – Há uma perda de paradigmas. A tecnologia não foi compreendida Aida pela Pedagogia. Temos que meditar e agir para inaugurar novos formatos de relacionamento.
EMP – O Prêmio Nobel de Economia de 2000, James Heckman, disse que a inteligência não se resume a QI, mas também inclui as habilidades socioemocionais (autocontrole, resiliência, trabalho em equipe etc), por isso a sociedade deve investir pesadamente na educação da criança entre 0 a 6 anos. De acordo com ele, de cada 1 dólar investido na criança dessa idade, na sua vida adulta retornam dólares reduzindo inclusive a criminalidade.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]