Por Yasmim Tabosa, PIM Amazônia
Uma praga silenciosa, que se alimenta da polpa dos frutos de diferentes espécies, fazendo-os apodrecer antes mesmo da colheita. Assim é a mosca-da-carambola, originária do Sudeste Asiático, que, há pouco mais de um mês, levou o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) a colocar nada menos que quatro estados da Amazônia (Amapá, Amazonas, Pará e Roraima) em estado de emergência fitossanitária, como medida preventiva por conta do risco iminente de dispersão do inseto. A mosca é considerada uma das mais perigosas do mundo por conta da ameaça que pode oferecer ao mercado de produtos agrícolas.
Além de se reproduzir rápido, diferente de um pensamento comum, a mosca não ataca apenas o fruto carambola, possuindo, na verdade, mais de 20 hospedeiros locais, como a laranja, acerola, caju e entre outros (veja abaixo). A declaração do Mapa para ações preventivas possui validade de um ano e faz referência também aos potenciais prejuízos econômicos que o inseto pode causar ao setor, uma vez que, segundo dados do próprio Mapa, o Brasil é o terceiro maior produtor de frutas do mundo.
No Pará, segundo o Governo Federal, as recentes detecções de novos focos da praga ocorreram nas cidades de Oriximiná e Terra Santa, localizadas no oeste do estado, em uma região com grande fluxo de pessoas e mercadorias. A partir de então, os municípios ao redor do território foram postos em estado de emergência como medida preventiva, a fim de minimizar a dispersão do inseto.
Em nota à PIM Amazônia, a Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepara) afirma que nos municípios de Oriximiná e Terra Santa há muitos quintais com árvores frutíferas, por isso havia o risco de disseminação da praga. Quando perguntado quão alarmante é a situação para o Estado, a Adepara informou que reforçou as ações de vigilância e a situação está controlada nesses municípios. “O trabalho de vigilância e educação fitossanitária realizado pela Adepara foi intensificado em toda a região, sensibilizando a população e fazendo com que ela seja multiplicadora das informações sobre a praga”, diz a nota.
O órgão também destaca que tem realizado um trabalho de fiscalização agropecuária para evitar o trânsito de frutos hospedeiros para municípios sem a presença da praga e ações de educação fitossanitária nos portos, terminais, escolas, comércio e feiras, instalando armadilhas para captura do inseto e fazendo a coleta de frutos.
Reprodução é rápida, com ciclos contínuos de contaminação
A pesquisadora da Embrapa Amapá, Cristiane Ramos de Jesus, mestre em Biologia Animal, doutora em Agronomia e atuante na área de sanidade vegetal e entomologia aplicada (estudo de insetos), explica que, por se tratar de um tipo de mosca das frutas, a mosca-da-carambola tem uma das fases dos seus ciclos de vida dentro do fruto, é esse momento que gera prejuízo para os produtores rurais.
“Depois que a fêmea e o macho copulam, as fêmeas procuram o fruto hospedeiro para colocarem os seus ovos. Ela coloca os ovos dentro do fruto e as larvas se desenvolvem se alimentando da polpa desses frutos”, informa a pesquisadora.
Depois desse processo, as larvas saem do fruto e se enterram no solo. Essas larvas passam por um período de cerca de 7 a 8 dias enterradas na forma de pupa e emergem novamente como um novo adulto. A partir daí, essas novas moscas voltam a contaminar os frutos e reiniciam o processo de contaminação. Uma única mosca pode colocar 12 ovos, e gerar até 48 novas moscas em 16 dias.
Além de caírem de maneira precoce, os frutos ficam podres e perdem seu sabor original. Por sua vez, por se tratar de um inseto exótico, se torna ainda mais difícil o processo de combate, devido à carência de inimigos naturais.
“Isso implica em prejuízos econômicos em toda a cadeia da fruticultura. Se ocorrer a possível dispersão da mosca-da-carambola para fora aqui da Região Norte, e, por exemplo for registrada essa espécie nas áreas de exportação de frutas como no Vale do São Francisco, no nordeste brasileiro, ou no sudeste do Brasil, que tem a exportação de frutas cítricas, o registro dessa espécie vai fechar o mercado de exportação de frutas no Brasil e isso implica no fechamento de toda uma cadeia produtiva da cultura de exportação”, destaca Cristiane.
A pesquisadora explica que a situação acarretaria o fechamento de vários postos de empregos e um prejuízo imensurável não só para cadeia da fruticultura de exportação, mas para cadeia produtiva da cultura do mercado interno também.
“O Estado de Roraima produz frutas para venda para o mercado do Amazonas, vendia também para o mercado da Guiana e hoje está impedido de comercializar os frutos hospedeiros da mosca-da-carambola em função da presença dessa praga, então é um prejuízo econômico extremamente relevante e que precisa ser considerado”, prossegue a entomologista.
Medidas de prevenção e erradicação têm sido eficazes
Até o momento, o Pará, Amazonas, Roraima e Amapá são os Estados em situação de emergência por conta da praga. Em nota, no dia 7 de dezembro, o Governo de Roraima relatou que, no início da presença da praga no Estado, a situação estava limitada aos municípios fronteiriços à República da Guiana e à Venezuela, mas com o tempo chegou até Boa Vista, capital de Roraima, prejudicando a comercialização de frutos hospedeiros, principalmente a manga, que abastecia o mercado amazonense. A Agência de Defesa Agropecuária do Estado de Roraima (Aderr) informa que não existe um perfil específico de município para a praga, pois ela está presente em todo Estado.
“Atualmente estão sendo adotadas medidas de erradicação em conjunto com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. São ações de eliminação de frutos em áreas de ocorrência da praga, monitoramento constante, utilização de controle químico e controle no trânsito de frutos hospedeiros”, destacou, em nota.
A respeito da situação do Amazonas, a Agência de Defesa Agropecuária (Adaf) se posicionou afirmando que não existem ocorrências de casos da mosca-da-carambola no Estado. O órgão informa desenvolver ações de prevenção por meio da fiscalização do trânsito interestadual de vegetais junto às suas sete Barreiras de Vigilância Agropecuária (BVAs) e de forma alinhada com o Programa Nacional de Erradicação da Mosca-da-Carambola no Estado.
“Desde julho de 2017, a Adaf mantém, em parceria com a Aderr (Agência de Defesa Agropecuária de Roraima) uma barreira de vigilância agropecuária (BVA) no Distrito de Jundiá, município de Rorainópolis, em Roraima, onde desenvolvem o controle do trânsito de animais, vegetais, subprodutos e agrotóxicos, tendo como um dos principais objetivos barrar a entrada de frutos hospedeiros da mosca-da-carambola.”, explica a agência, em nota.
A Adaf também promove a realização de ações de educação sanitária, por meio de palestras e distribuição e divulgação de materiais informativos sobre a praga, além de monitorar armadilhas do tipo Jackson, utilizadas como estratégia de monitoramento da praga quarentenária, em cidades como Nhamundá, Parintins e Manaus. As armadilhas do tipo Jackson usam feromônios para atrair e capturar insetos machos. Elas são monitoradas frequentemente e, até agora, não foram capturados exemplares do inseto.
A Federação da Agricultura e Pecuária do Amazonas (Faea), em comunicação com a Gerência de Defesa Vegetal (GDV) da Adaf, também mencionou, em nota, que a exportação do Amazonas “encontra-se em um processo de reorganização (comissões, associações e organizações sociais), fazendo com que essa produção (de frutas) fique concentrada ao mercado local”. Além disso, a entidade ressaltou que principais frutos produzidos no estado em 2022, segundo dados atribuídos ao IBGE (SIDRA – Produção Agrícola Municipal), não estão na lista de hospedeiros da mosca. Assim, no Amazonas, não haveria impactos mais graves relativo à uma possível presença da praga.
“Sobre o mercado, o que se pode notar a médio prazo, é a possível redução destes produtos (aqueles afetados pela mosca) no mercado local, visto que não há a importação de produtos do estado de Roraima e do Pará. A GDV ressaltou que existe uma ‘região tampão’ nas zonas (dos municípios) de Presidente Figueiredo e Balbina, por se encontrarem às proximidades de Roraima, influenciando diretamente a não dispersão da doença”, informou a Faea.
No caso do Amapá, a Agência de Defesa e Inspeção Agropecuária do Estado (Diagro) informou à reportagem da PIM que técnicos realizam fiscalizações diárias no Aeroporto Internacional de Macapá e portos de Macapá e Santana para evitar disseminação da doença para outros estados. Atualmente, todos os municípios do estado registram ocorrência da mosca da carambola.
Pesquisadores trabalham em várias alternativas para combate à praga
A pesquisadora Cristiane de Jesus destaca que a Embrapa trabalha com pesquisas para subsidiar o programa de controle da mosca da carambola, executado pelo Ministério da Agricultura. “Nós já pesquisamos várias estratégias de controle químico e agora nós estamos voltados mais para o controle biológico. Um exemplo é uma vespinha, inimigo natural da mosca da carambola, que foi trazida para o Brasil lá do mesmo centro de origem da mosca. Ela consegue atacar o ovo da mosca dentro dos frutos, fazendo esse controle biológico. Então, ao invés de nascer uma mosca da carambola vai nascer um inimigo natural”, explica a especialista.
Ainda em outubro de 2023, a Embrapa divulgou um estudo em que pesquisadores do Amapá isolaram um fungo do solo (Metarhizium anisopliae) para a produção de um bioinseticida para o combate de espécies das moscas das frutas, entre elas a mosca da carambola.
Conforme informações disponíveis no site da Embrapa, os pesquisadores confirmaram a eficácia deste avanço tecnológico tanto em âmbito nacional quanto internacional no controle das seguintes moscas-das-frutas: Bactrocera carambolae (conhecida como mosca-da-carambola), Anastrepha fraterculus, Ceratitis capitata (ou mosca do Mediterrâneo) e Bactrocera dorsalis (conhecida como mosca-das-frutas-oriental). Todas essas espécies têm um impacto econômico significativo na produção de frutas. Os resultados obtidos em condições de campo demonstraram um alto percentual de controle, alcançando até 87%.
A erradicação do inseto hospedeiro é realizada mediante a aplicação direta do produto no solo. Além de ser não tóxico, trata-se de um produto isento de resíduos, sem equivalente no mercado, tanto para a mosca-da-carambola quanto para as espécies Anastrepha fraterculus e Ceratitis capitata.
Os agricultores devem aplicar o bioinseticida formulado na área correspondente à copa das árvores frutíferas que são hospedeiras das espécies-praga. O produto já está em fase de captação de parceiro e até fechamento de contrato a Embrapa informou não estar autorizada a divulgar mais detalhes do produto.
*Matéria atualizada às 11h47, de 20/12, para ressaltar a medida preventiva do Mapa nos quatro estados da região