Da Redação, com informações da Embrapa
O artigo, publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation, mostra que as instituições amazônicas receberam aproximadamente 10% de todo o orçamento federal disponibilizado para subsidiar projetos de pesquisa sobre biodiversidade e cerca de 23% dos recursos destinados a apoiar estudos ecológicos de longa duração. E em 2022, a Amazônia obteve 13% das bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado e abrigou 12% dos pesquisadores que trabalham em pós-graduação em biodiversidade no País.
O trabalho foi realizado por pesquisadores de instituições brasileiras e estrangeiras e envolveu a análise, entre 2016 e 2022, do financiamento de projetos de pesquisa em biodiversidade, a concessão de bolsas de pesquisa e a formação de pesquisadores por meio do vínculo a programas de pós-graduação. As fontes analisadas foram os dois principais editais de recursos federais para pesquisa no Brasil: o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (Peld) e o edital Universal, ambos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e a maior agência federal de capacitação de recursos humanos, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
“O objetivo do trabalho foi analisar a distribuição de recursos para pesquisas em biodiversidade e mostrar como o conhecimento sobre a Amazônia vem sendo subfinanciado em relação às outras regiões do País. O trabalho também aponta caminhos e faz recomendações para diminuir essa desigualdade”, afirma Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e uma das autoras do artigo.
Ela conta que as pesquisas sobre biodiversidade são importantes para entender como é a distribuição de espécies no território e quais regiões são ecologicamente mais sensíveis dentro de cada bioma. “Os estudos ecológicos de longa duração monitoram as mudanças que cada bioma vem passando, causadas tanto por eventos naturais quanto pela ação do ser humano”, acrescenta pesquisadora colaboradora da Embrapa, Lis Stegmann, autora principal do artigo.
De acordo com a cientista, a análise partiu de dados disponibilizados pelas agências federais e pelo Portal da Transparência. A distribuição de recursos para projetos e bolsas nas diferentes regiões foram analisadas a partir da densidade populacional e da extensão territorial.
O trabalho é resultado de uma rede de pesquisa consolidada no âmbito do projeto Synergize, que faz parte do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose/CNPq), reúne pesquisadores de 12 instituições nacionais e internacionais e é coordenado pela Embrapa e pela Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Regiões Sul e Sudeste concentram 50% dos recursos
Em números absolutos as regiões Norte e Centro-Oeste apresentam os piores índices. De acordo com o trabalho, o Norte recebeu cerca de 10% dos recursos disponibilizados pelo edital Universal (CNPq) entre os anos de 2016 e 2022, e 22% do recurso disponível pelo edital de 2020 do PELD (CNPq) para pesquisas de longa duração. As regiões Sul e Sudeste concentraram juntas 50% desses recursos no período analisado.
“Apesar de o investimento per capita em pesquisa na Amazônia ser igual ou superior ao disponível para as regiões economicamente mais desenvolvidas do Brasil, a distribuição de recursos por área é altamente desigual”, afirma Stegmann.
Enquanto a região Sudeste recebeu cerca de US$2 por quilômetro quadrado (km²) para financiar pesquisas em biodiversidade pelo edital Universal, a região Norte recebeu US$ 0,13. Isso mostra que cerca de 90% dos recursos federais para pesquisas em biodiversidade estão fora da região que abriga a maior floresta tropical do planeta.
“A gente chama atenção para a contradição entre a importância da região e o que ela recebe em investimento. É fundamental desenvolver um plano estratégico para alocação de recursos que alinhe a pesquisa com a relevância socioambiental da Amazônia para o Brasil e o planeta”, declara a pesquisadora Joice Ferreira.
Bolsas de pesquisa para a região concentram-se em Belém e Manaus
O grupo de pesquisadores observou também a distribuição interna de recursos para pesquisa em biodiversidade na região Norte e constatou que cerca de 90% de todos os subsídios e bolsas de pesquisa disponíveis para a região estão concentrados nas capitais Belém (PA) e Manaus (AM). Em números absolutos, essas duas cidades detêm 90% das bolsas de pesquisa da Capes e 92% dos recursos disponibilizados pelo edital Universal (CNPq).
A pesquisadora Lis Stegmann ressalta o esforço das fundações estaduais de pesquisa da região Norte, com destaque à Fundação de Amparo a Estudos e Pesquisa (Fapespa) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Estado do Amazonas (Fapeam), que financiam projetos locais, mas afirma que o orçamento destinado ainda é insuficiente para mudar a lógica de desigualdade da região em relação às outras regiões brasileiras. “Enquanto o orçamento da Fapeam no ano de 2022 foi cerca de R$ 140 milhões, o orçamento da Fapesp, que é a fundação de pesquisa de São Paulo, no mesmo ano, foi de cerca de R$ 2 bilhões”, exemplifica a pesquisadora.
O grupo observou também o quadro de profissionais ativos em duas importantes instituições de pesquisa da Amazônia: o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
“Nós analisamos o ano de entrada dos pesquisadores ativos nessas duas instituições. Os resultados mostraram que quase 80% dos pesquisadores ativos do Inpa e 40% dos pesquisadores ativos do Museu Goeldi já podem se aposentar a partir de 2024, o que pode indicar um cenário de sucateamento dos maiores institutos de pesquisa da Amazônia e também de descontinuidade nas pesquisas”, alerta.
Recomendações incluem criação de fundo exclusivo para a Amazônia
O artigo traz recomendações ao poder público, como a criação de um fundo para pesquisas em biodiversidade voltado especificamente para a Amazônia. Outra recomendação é a descentralização dos recursos, com transferência de conhecimentos e articulação de redes de pesquisa entre as capitais e os municípios do interior da região.
E a terceira recomendação é o fortalecimento da cooperação e alianças transnacionais. “As pesquisas ecológicas na Amazônia são geralmente caras porque exigem uma logística complexa. Projetos de ampla escala geralmente só acontecem em virtude da cooperação internacional, como o Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), o Observatório de Torre Alta da Amazônia (ATTO), entre outros”, exemplifica Stegmann.
Os cientistas defendem que o aumento do financiamento de pesquisa para a região amazônica exige um aporte diferenciado por parte das agências federais e integração entre os programas amazônicos e os fundos internacionais.
A PIM Amazônia tentou contato com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), mas não obteve sucesso até a publicação desta reportagem.