As métricas inadiáveis e inequívocas da ZFM

Vem do poema Grito de Alerta do compositor Gonzaguinha a inspiração literária. Em mais um artigo-alerta, em que aponta os descaminhos de nossa economia a partir de “dentro de casa”, o empresário e intelectual Augusto Rocha, professor da UFAM, vai ao ponto mais paradoxal de nossa teimosia em promover o desenvolvimento: entre tapas e beijos das lideranças locais em todos os segmentos, ele aponta as dificuldades inexplicáveis desses atores que resistem em dar-se as mãos da cumplicidade para enfrentar os desafios que nos assombram. Chega de dizer que a culpa é de Brasília e seus cofres de arrecadação compulsivo do inferno. Ao menos neste caso, não são os outros que nos governam a partir do Planalto Central. Eles moram ao lado, somos vizinhos de porta. Somos nós que não nos dispomos a assumir a condução do protagonismo civil e – porque não nos irmanamos – impedindo a transformação de nossa amargura competitiva em bandeira de defesa de direitos usurpados. Augusto decodifica a epistemologia da buraqueira das ruas no Polo Industrial de Manaus e a omissão local na luta pela recuperação da BR-319, para mostrar os desafios e mazelas de nossa matriz econômica e dos riscos, por conta disso, a que estamos submetidos. Há quanto tempo alguém propôs investir 2,5% do PIB da região para a infraestrutura competitiva? Ora, como partiu de outrem a sugestão dá a impressão que a ele cabe encaminhar a solução, enquanto todos, à moda Pôncio Pilatos, lavam as mãos. Não há como não suspeitar de uma patologia civil, que nos contaminou a todos, a nos impedir brigar pela justa e legítima contrapartida que a contribuição do PIM, de forma competente, propicia para o Amazonas, a região Norte e o Brasil. O professor Augusto Rocha pergunta: “Como poderemos pedir apoio aos outros Estados se nem nós conseguimos apoiar a atividade industrial? É um contrassenso: tratamos mal quem mais gera imposto. Quando isso vai mudar? Quando as indústrias e as demais empresas serão verdadeiramente apoiadas e bem tratadas”

Competitividade esburacada

Augusto Cesar Barreto Rocha (*)

Robert Cialdini cita a reciprocidade como uma das bases do processo da influência. Segundo ele, há um desejo inato nos humanos em dar correspondência equivalente ao modo como é tratado. Isso é também percebido de outras formas, pois, se recebemos gentileza, devolveremos gentileza, como Adriana Calcanhoto registrou em sua homenagem ao poeta das ruas do Rio de Janeiro, morto em 1996, célebre pela frase “Gentileza gera Gentileza”. A música começa lembrando que “apagaram tudo, pintaram tudo de cinza”. Com grande frequência fala-se que a Zona Franca de Manaus e a sua indústria possuem grande importância. É sabido que a partir de suas atividades advêm a maior parte da arrecadação do Estado, do município e expressiva contribuição para a geração de empregos. De seus ex-trabalhadores surgiram vários negócios, em diferentes ramos. Entretanto, como as empresas daquela área industrial são tratadas? Não há a mínima reciprocidade. Para a grande quantidade de impostos recolhidos, são entregues as piores ruas de Manaus. Com qual autoridade os gestores poderão pedir apoio em Brasília se não temos a coragem de apoiar as empresas com ruas minimamente decentes, numa eterna discussão sobre sua recuperação. Não estamos falando de água em abundância, recolhimento de efluentes ou energia limpa, temas típicos de zonas industriais incentivadas no mundo desenvolvido.

Tratamento sórdido e injusto

As empresas aqui instaladas cuidam de seus poços, de sua energia, de seus efluentes e de sua estrutura de proteção contra incêndio, sob regulamento rígido. No Japão, até cartéis são permitidos, sob a batuta do governo. Lá, arranjos industriais são montados estreitando parcerias entre universidades, centros de pesquisa, financiamento público e outras benesses para promover e viabilizar suas atividades industriais. Aqui, nem asfalto temos. E o que dizer do resto? Há expressiva insegurança jurídica, onde as empresas estão constantemente sendo ameaçadas por uma próxima Portaria, Decreto ou fiscalização para achar pequenos erros, gerando multas. A ameaça constante leva a um comportamento de reciprocidade: empresas prontas para fechar assim que a curva de equilíbrio de custos pender para abaixo do razoável, como já fez a Bosch ou a Pepsi, para falar de um exemplo antigo e outro recente, onde não houve razão mercadológica ou de falta de caixa, que é tipicamente o motivo para fechamento de empresas mundo afora. O Polo Industrial que “já teve”.

Crateras Urbanas, a contrapartida sombria do poder público

Em outros países, o Sistema de Transportes das áreas industriais são sempre claros, previsíveis e bem conectados. Aqui, estamos nas mesmas pautas décadas após décadas. Vivemos dentro de um “Feitiço do Tempo” (filme de 1993, onde Bill Murray vive o mesmo dia inúmeras vezes). Seguimos na mesma discussão sobre a BR-319 faz mais de uma década: uma estrada que precisa ser recuperada, mas sempre aparece um argumento amazonense para não fazer. Ou um canal para o Pacífico que não tem a mínima viabilidade técnica ou empresarial, que sempre aparece alguém para apontar como se fosse a redescoberta da pólvora e a solução para todos os problemas logísticos. Claro que só os não especialistas o apontam como solução, sem sequer compreender minimamente o que significa trânsito internacional ou transbordo em uma operação logística. Haja paciência para o empresário. Ainda ficamos irritados se algum estrangeiro falar que aqui não é um país sério, mas por vezes fica difícil argumentar em contrário.

Qualquer país sério estende tapetes a empreendedores

Parece que precisaremos de uma crise ainda maior para nos unir em torno de algo. No Amazonas de hoje não há união por nenhum grande objetivo. Temos uma profusão de pessoas para apontar defeitos, dizendo o que e como não fazer. Precisamos começar a ter gentileza com os meios de geração de riqueza. De outra forma, é um convite para a informalidade. Não é de se estranhar: em 2018, segundo o IBGE, há mais trabalhadores sem carteira de trabalho do que trabalhadores formais. Estamos nos tornando um país marginal. Como interromper a construção de uma Profecia Autorrealizável (prognóstico que, ao se tornar uma crença, provoca a sua própria concretização) no Distrito Industrial, onde somente existirão esqueletos de fábricas, como se deu em Detroit e em outras cidades? Consciente ou inconscientemente a gestão da cidade de Manaus e do Amazonas estão afugentando com todas as forças suas atividades industriais. Tudo é restrição: PPB nunca analisado, ruas esburacadas, limitações para tráfego de carretas, ausência de transporte público urbano e regras de todo o tipo. Proibições abundantes e apoios mínimos. Não é de se estranhar que o faturamento do PIM seja menor do que era anos atrás. Como poderemos pedir apoio aos outros Estados se nem nós conseguimos apoiar a atividade industrial? É um contrassenso: tratamos mal quem mais gera imposto. Quando isso vai mudar? Quando as indústrias e as demais empresas serão verdadeiramente apoiadas e bem tratadas?

(*) Professor da UFAM.

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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]

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