Brasil convoca embaixador em Israel após Lula ser declarado “persona non grata”

Estopim da crise diplomática foi a fala de Lula sobre o Holocausto, durante entrevista após participação na cúpula da União Africana em Adis Abeba, na Etiópia
Presidente Lula, durante a participação na cúpula da União Africana. Foto: Ricardo Stuckert/ PR

Por Redação, da BBC News Brasil

Após declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que comparou as ações de Israel na Faixa de Gaza ao Holocausto nazista, o líder brasileiro foi declarado persona non grata pelo governo de Benjamin Netanyahu.

Persona non grata é uma expressão em latim cujo significado literal é algo como “pessoa não agradável” ou “não bem-vinda”. Na diplomacia, a expressão se aplica a um representante estrangeiro que não é mais bem-vindo em missões oficiais em determinado país.

Nas redes sociais, o ministro de Relações Exteriores israelense, Israel Katz, afirmou que Lula não será bem-vindo no país até que se retrate por suas palavras.

A decisão foi anunciada por Katz após encontro com o embaixador do Brasil em Israel no Yad Vashem, o memorial oficial de Israel em Jerusalém para lembrar as vítimas do Holocausto.

O diplomata brasileiro foi convocado pelo governo Netanyahu para prestar esclarecimentos sobre as declarações de Lula.

Na tarde da segunda-feira, 19, o Itamaraty anunciou que o Brasil “convocou o embaixador israelense Daniel Zonshine para que compareça hoje ao Palácio Itamaraty, no Rio. E chamou para consultas o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Frederico Meyer, que embarca para o Brasil amanhã”.

O presidente falou do assunto durante uma entrevista em Adis Abeba, na Etiópia, onde participou neste fim de semana de uma reunião da cúpula da União Africana.

Lula já havia falado a respeito da situação dos palestinos em seu discurso no evento, mas a declaração durante a entrevista gerou uma forte reação do governo israelense.

A BBC News Brasil procurou a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República e o Ministério de Relações Exteriores brasileiro para um posicionamento sobre as declarações do chanceler israelense, mas não obteve resposta até a mais recente atualização desta reportagem.

Mais de 28,8 mil palestinos, incluindo civis, mulheres e crianças, morreram durante os mais recentes ataques de Israel à Faixa de Gaza. O país iniciou uma guerra contra o Hamas em outubro após a morte de mais de 1.200 pessoas e o sequestro de 253 reféns em um ataque do grupo em Israel.

Entenda como tudo começou

Durante a viagem, Lula questionou a decisão de alguns países de suspender verbas à agência das Nações Unidas (ONU) que dá assistência aos palestinos, a UNRWA.

A suspensão havia acontecido porque Israel acusou funcionários da agência de envolvimento com o Hamas. A denúncia desencadeou uma investigação interna, demissões e reações internacionais.

Lula afirmou que a ajuda humanitária aos palestinos não pode ser suspensa e disse que, se confirmado que houve erros na UNRWA, deve haver responsabilização.

“Quando eu vejo o mundo rico anunciar que está parando de dar a contribuição para a questão humanitária aos palestinos, eu fico imaginando qual é o tamanho da consciência política dessa gente?”, disse o presidente.

“E qual é o tamanho do coração solidário dessa gente que não está vendo que na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio?”, afirmou.

“O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu: quando o Hitler resolveu matar os judeus.”

“Não é uma guerra entre soldados e soldados. É uma guerra entre um Exército altamente preparado e mulheres e crianças. Se teve algum erro nessa instituição que recolhe o dinheiro, apura-se quem errou. Mas não suspenda a ajuda humanitária para o povo que tá há quantas décadas tentando construir o seu Estado”, disse o presidente.

Lula também reiterou que condena o Hamas e os ataques realizados por eles.

“O Brasil condena o Hamas, mas o Brasil não pode deixar de condenar o que Israel está fazendo na Faixa de Gaza”, disse.

No sábado, 17, Lula havia se encontrado com o primeiro-ministro da Autoridade Palestina, Mohammad Shtayyeh.

O Palácio do Planalto afirmou que o presidente brasileiro condenou ataques do Hamas durante a reunião e reiterou a necessidade de paz no Oriente Médio e necessidade da criação de um Estado Palestino. Shtayyeh agradeceu a Lula pela solidariedade com o povo palestino, segundo o governo brasileiro.

Por que a fala causou tanta controvérsia?

O genocídio de mais de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial é um tema bastante sensível.

A fala de Lula gerou uma forte reação de instituições judaicas, que afirmam que comparar a situação dos palestinos afetados pelos ataques de Israel com o genocídio de judeus feito pelos nazista é uma forma de “banalizar o Holocausto”.

A Conib (Confederação Israelita do Brasil) emitiu uma nota de repúdio à fala de Lula, na qual defendeu as ações de Israel.

“Os nazistas exterminaram 6 milhões de judeus indefesos na Europa somente por serem judeus. Já Israel está se defendendo de um grupo terrorista que invadiu o país, matou mais de mil pessoas, promoveu estupros em massa, queimou pessoas vivas e defende em sua carta de fundação a eliminação do Estado judeu”, diz o comunicado da entidade.

“Essa distorção perversa da realidade ofende a memória das vítimas do Holocausto e de seus descendentes”, afirmou.

O presidente do Museu do Holocausto em Jerusalém, Dani Dayan, afirmou que a fala de Lula é “vergonhosa” e uma “combinação de ódio e ignorância”.

Qual foi a resposta de Israel?

O atual primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, emitiu um comunicado criticando a fala de Lula e convocou o embaixador brasileiro em Israel para uma reunião nesta segunda-feira, 19.

“A comparação entre Israel e o Holocausto dos nazistas e de Hitler está ultrapassando a linha vermelha”, afirmou Netanyahu em um comunicado. “Israel luta por sua defesa e garantia do seu futuro até a vitória completa.”

Ele disse ainda que a “banalização do Holocausto é a uma tentativa de prejudicar o povo judeu e o direito de Israel de se defender”.

Durante o encontro nesta segunda, o ministro Israel Katz afirmou que a comparação feita por Lula “é um grave ataque antissemita” que fere a memória daqueles que morreram no Holocausto.

Como fica a relação diplomática entre Brasil e Israel?

O Brasil sempre teve relações diplomáticas amigáveis tanto com Israel quanto com autoridades palestinas, sendo defensor da solução do conflito através da convivência de dois Estados: Israel e um Estado palestino.

Após os ataques do Hamas em Israel, o Brasil condenou as ações do grupo, que deixaram mais de 1.200 mortos e 253 reféns.

Desde então, o Brasil vem criticando também a contraofensiva israelense, que já deixou 28,8 mil mortos na Faixa de Gaza.

A posição oficial brasileira é em favor de um cessar-fogo na região.

O Brasil também apoiou o caso da África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça no passado.

A África do Sul acusou Israel de genocídio contra os palestinos na ação, que foi autorizada a continuar pela Corte em janeiro.

O tribunal instruiu Israel a impedir os seus militares de cometerem atos que possam ser considerados genocidas, a prevenir e punir o incitamento ao genocídio e a permitir a assistência humanitária ao povo de Gaza.

Mas o tribunal não chegou a apelar a Israel para que suspenda imediatamente as suas operações militares em Gaza, como era desejo do país africano.

A convocação do embaixador brasileiro em Israel para reunião após a fala de Lula é vista por analistas como uma “medida drástica”.

Fala improvisada – O ex-embaixador do Brasil em Londres e diplomata Rubens Barbosa afirmou à GloboNews que a fala de Lula foi “improvisada” e que o Itamaraty não compartilha dessa visão.

“É uma situação delicada. Eu não creio que esse incidente possa afetar as relações entre o Estado de Israel e o Estado brasileiro, porque há muitos interesses em jogo, inclusive na área de Defesa”, disse Barbosa à GloboNews.

Enquanto isso, a situação em Gaza continua dramática. A Organização Mundial de Saúde disse que o hospital Nasser deixou de funcionar após um ataque israelita. As Forças de Defesa Israelense disseram que sua operação era “precisa e limitada” e acusou o Hamas de “usar cinicamente hospitais para o terror”.

Os esforços para chegar a um cessar-fogo entre Israel e o Hamas têm acontecido no Cairo, mas os mediadores do Qatar disseram que o progresso recente “não é muito promissor”.

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