Brasil precisa ser tecnologicamente neutro

A disputa comercial entre os Estados Unidos e a China se transformou numa batalha pela hegemonia tecnológica. A dureza da troca de golpes fica óbvia no exemplo da provedora de equipamentos para redes de comunicações Huawei. Os americanos querem excluir a companhia chinesa da ampliação das redes 5G em todas as democracias ocidentais, alegando – ainda sem provas – que ela transmitiria dados às autoridades de Pequim.

Também em outras arenas, confrontam-se gigantes chineses e americanos: Alibaba versus Amazon, Tencent versus Facebook, Baidu versus Google, etc. Isso coloca o resto do mundo num impasse incômodo: ter que escolher entre provedores dos EUA ou da China – com as consequentes dependências.

Isso é tão insatisfatório para a Europa quanto para a América Latina, pois o que está em questão é a respectiva soberania digital. A dependência tecnológica unilateral ameaça o potencial de futuro de ambas as sociedades. Por isso é importante que acionem opções para além dessas duas potências rivais.

Soluções tecnológicas europeias, com padrões próprios e consequentes garantias, são um passo nessa direção. Uma delas é a IPCEI – Important Projects of Common European Interest, em que países da Europa se reúnem para garantir que a região não perca o passo na tecnologia, indo bem além do status atual nos setores em questão.

Outra é a ampliação da infraestrutura de computação em nuvem GAIA-X. Serviços desse tipo atualmente estão dominados em todo o mundo por provedores privados como Amazon Web Services, Microsoft Azure ou Alibaba Cloud. Com GAIA-X os provedores europeus visam criar um ecossistema comum em que estejam garantidas soberania de dados, segurança e interoperacionalidade totais.

Mas a Europa precisa de parceiros. O Sul global poderia tornar-se um aliado decisivo na defesa da soberania e independência digitais. Além da África, uma das regiões do mundo que se coloca em foco é a América Latina.

Entretanto, está ainda em aberto se será possível desenvolver e implementar uma perspectiva comum em cada setor, de ambos os lados do Oceano Atlântico. No momento, ambas as regiões parecem demasiado inconsistentes e indecisas. Assim, diante da importância do tema, talvez de início seja necessário fortalecer a preservação da soberania digital em cooperações bilaterais.

Brasil, candidato ideal

Como maior economia latino-americana, o Brasil se apresenta como candidato ideal. Por diversos motivos: o país consta entre as 12 maiores economias do mundo; ocupa o quinto lugar em extensão de território e sexto em população. Portanto detém o potencial necessário para um mercado de base e para efeitos escalares. Além disso, entre os países emergentes, apresenta um grau relativamente alto de industrialização e desenvolve ou produz tecnologias de relevância global em certos setores (agropecuária, varejo, alimentos, mineração, energia, comércio eletrônico, finanças, aviação).

Em sua história o Brasil provou repetidamente que não deseja se decidir exclusivamente por um parceiro. Foi o caso antes e ao longo da Segunda Guerra Mundial, quando conseguiu se manter neutro por longo tempo. Em seguida, seus parceiros industriais importantes foram os EUA, Europa, mais tarde o Japão e, cada vez mais, a China – sem que entrassem em atrito no Brasil, apesar da acirrada concorrência. Na década de 1970, o governo entregou o contrato para a usina nuclear de Angra à Alemanha – embora Washington fosse seu aliado estreito.

Uma aliança com a Alemanha seria importante para o Brasil também. Num mundo polarizado entre Pequim e Washington, um Brasil tecnologicamente neutro ganharia automaticamente mais peso. Para tal, contudo, necessita parceiros, da mesma forma que as demais nações latino-americanas. Uma política externa tecnológica alemã e europeia, concentrada na manutenção e ampliação da soberania digital em parceria, poderia gerar, com grande interesse, uma cooperação Norte-Sul com perspectivas de futuro.

Fonte: DW

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