“É possível gerar riqueza com a floresta em pé”

Primeiro amazonense a presidir uma sessão da Câmara dos Deputados em Brasília, Marcelo Ramos é advogado, natural de Parintins. Casado com Juliana Ramos, pai de Gabriel, Maria Carolina (in memorian), Marcelinha, e José Humberto, Marcelo Ramos é escritor e já teve quatro obras publicadas: “Coragem”, “Luta Diária”, “Conversas com meu Pai” e “Velho Baú”.

Iniciou sua vida política ainda como estudante secundarista, ocupando a presidência do grêmio estudantil e, mais tarde, a presidência do Centro Acadêmico da Universidade Federal do Amazonas. Foi vereador, deputado estadual e atualmente é deputado federal e 1º vice-presidente da Câmara de Deputados.

Autor do Projeto de Lei 528/2021, que regulamenta o mercado voluntário de carbono no país, Ramos conversou com PIM Amazônia para explicar os detalhes do PL que se aprovado, pode servir como instrumento de geração de riqueza e combate à pobreza na região amazônica. Confira a seguir  na entrevista exclusiva.

Porque o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) ainda não foi regulamentado até hoje?

A Lei de mudanças climáticas e o Código Florestal já estabelecem a necessidade de criação de um mercado regulado de carbono, mas o Governo Federal nunca fez a lei regulamentadora. Nós não temos lei regulando o mercado de carbono. Mesmo o meu projeto de lei tem duas etapas. A primeira etapa é do mercado voluntário, que é o que já existe hoje, de redução de emissões no Brasil. Após 5 anos da promulgação da lei, a gente passa para o mercado regulado.

No mercado voluntário, as empresas voluntariamente reduzem ou compensam emissões para aumentar o seu valor de mercado ou para concorrer no mercado internacional.

Por exemplo, se nossos exportadores de carne não reduzirem a emissão de carbono eles não conseguem vender no mercado internacional. A política internacional favorece isto a exemplo da indústria automotiva que tem uma política de redução de emissão a ser cumprida aqui ou na União Europeia.

No mercado regulado, por sua vez, já é estabelecido quanto cada empresa poder gerar de emissão, ou seja, uma cota. Se ela gerar menos do que poderia, isso gera um crédito, que poder ser vendido. Se gerar mais, ela precisa comprar crédito, e isto gera um mercado.

Na Europa já existem bolsas de valores de carbono. Nossa preocupação aqui no Brasil é que quando a gente passar para essa etapa, que agente garanta o pagamento para o cidadão que está no local da área que foi preservada, se não vira só um negócio financeiro e a pessoa que preservou a área acaba não ganhando com isso.

Os mecanismos de compensação ainda estão sendo estudados, se por meio de royalties ou por meio da lei da biodiversidade, quando se deve remunerar todos os participantes da cadeia de produção, como por exemplo o jogador de futebol, que quando é vendido tem que pagar ao clube formador.

Na prática, como vai funcionar a comercialização dos créditos de carbono. Quem pode vender?

Podem vender estes ativos as empresas que no mercado regulado emitem menos que a sua cota. Podem vender também quem por exemplo preserva e certifica uma área de floresta. Um particular pode certificar uma área de floresta nativa, existem certificadoras internacionais, e com a certificação ele pode vender os créditos de carbono.

O Amazonas pode ser beneficiado com essa regulamentação? De que maneira?

O Amazonas tem os maiores ativos do mundo capazes de reduzir as emissões, porque as florestas captam o gás carbônico da atmosfera. Nós temos a maior floresta do mundo, então, nós temos a maior capacidade de retirar gás carbônico da atmosfera.

Precisamos, portanto, de áreas e de certificação dessas áreas, de um inventário que diga o total de quilômetros e o total de captação de carbono, para que possamos vender isso.

Por isso que é importante gerar essa cadeia, para que o ribeirinho, o indígena e o morador de comunidades tradicionais recebam uma parte dessa renda.

Agente sempre criou aqui no Amazonas uma ideia de que desenvolvimento, geração de riqueza e combate à pobreza das populações tradicionais da floresta era absolutamente incompatível com a floresta em pé, de que era preciso derrubar a floresta para plantar, criar gado ou praticar a extração mineral, para desenvolver estas comunidades.

O mercado de redução de emissões de gases de efeito estufa nos mostra um outro caminho, em que a floresta em pé pode gerar mais riqueza, e combater mais a pobreza, do que ela deitada. Desde que tenhamos uma política para isso e é o que estou propondo.

Qual o prazo para a proposta ser analisada pelas comissões da Câmara Federal?

Ela está na comissão de desenvolvimento econômico com o relator deputado Bosco Saraiva. Depois ela vai para a comissão do Meio Ambiente, onde esperamos que ela demore um pouco mais para que tenhamos audiências públicas para que possamos ouvir mais atores.

Depois ela vai para a CCJ só para analisar sua constitucionalidade. A nossa ideia é amadurecer o texto neste período porque nós queremos em nome do parlamento brasileiro apresentar esta proposta na conferência das Partes que vai acontecer em novembro em Glaslow, na Escócia.

Inicialmente, a proposta cria um mercado voluntário nos cinco primeiros anos. Porque não tornar obrigatório desde o início?

Na hora em que torna obrigatório, você gera um custo para as empresas sem dar tempo para elas se adaptarem. Não podemos criar uma nova despesa para o setor produtivo do país sem que ele tenha tempo de se preparar.

O mercado voluntário já existe, independente de ser estabelecido em lei ou não. No futuro, ou você vai reduzir as emissões de carbono ou não vai conseguir competir no mercado internacional, não tem jeito.

Até porque o presidente Bolsonaro, na cúpula do clima convocada pelo presidente norte americano Joe Biden, assumiu um compromisso de neutralidade climática até 2050. Então até esta data, todos os créditos de carbono emitidos no Brasil precisam ser compensados. Para isto, é preciso ter uma política para reduzir emissões e certificar áreas que possam compensar os créditos.

As empresas precisam se preparar. A maioria das empresas no Brasil não tem política de redução de emissões, e na verdade elas não tem nem o inventário de quanto elas emitem, que é o primeiro desafio.

Se o mercado voluntário já funciona, por que então legislar sobre ele e transformar em regulado?

Nossa maior preocupação com a proposta é inventariar as emissões e as áreas que podem compensar as emissões, estabelecer critérios de certificação, e mais do que isso, garantir que não haja sobreposição de áreas. Por exemplo, que uma reserva não compense duas emissões. Se você não tiver um inventário, duas empresas podem compensar suas emissões com a mesma área de reserva.

Atualmente já existem muitas empresas no Brasil que vendem e compram créditos de carbono. A que se deve esse movimento mesmo sem a regulamentação deste mercado?

Já existem várias empresas fazendo isso, por três fatores: o primeiro é que as empresas que competem no mercado internacional são praticamente obrigadas a fazer isso porque alguns mercados não compram de quem não compensa.

O segundo fator é que isso agrega valor de mercado às empresas, tanto a B3 quanto à Dow Jones utilizam as políticas de redução de emissões como um dos critérios para definição do valor das ações da empresa na bolsa.

O terceiro fator é que muitas fazem por responsabilidade social e ambiental. Esses são os três principais motivos que fazem com que as empresas já façam essa compensação sem a legislação obrigar.

LEIA A EDIÇÃO DIGITAL

Entrevistas

Rolar para cima