Garimpo desacelera, mas ainda cresce na TI Yanomami, alertam indígenas

Relatório da Hutukara Associação Yanomami (HAY) mostra que, após um ano de intervenção federal, a atuação dos garimpeiros aumentou 7%, bem menos que nos anos anteriores, mas o suficiente para continuar ameaçando a sobrevivência dos indígenas
Área de garimpo na terra Yanomami cresceu 7%, em 2023; Foto: Christian Braga/ Greenpeace

Por Ana Danin, PIM Amazônia, com informações do Greenpeace Brasil

Uma nota técnica divulgada nesta sexta-feira, 26, indica que a área total impactada pelo garimpo na Terra Indígena Yanomami cresceu cerca de 7% no ano de 2023, atingindo uma área de 5.432 hectares. O documento, assinado pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), ressalta que esse percentual representa uma desaceleração na taxa de crescimento da área degradada, que nos anos anteriores teve um incremento anual de 42% (2018-2019), 30% (2019-2020), 43% (2020-2021), 54% (2021-2022). No entanto, também mostra que a atividade ilegal “continua operando com intensidade no território”.

O documento da HAY é referendado por duas outras associações indígenas: a Associação Wanassedume Ye’kwana (Seduume) e a Urihi Associação Yanomami. E também contou com apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA) e do Greenpeace Brasil.

A Hay explica que, desde outubro de 2018, monitora o garimpo ilegal na TI Yanomami por meio da interpretação de imagens de satélite de média e alta resolução. Segundo a associação, “neste sistema, batizado de Sistema de Monitoramento de Garimpo Ilegal (SMGI), especialistas em geoprocessamento analisam regularmente imagens dos satélites Sentinel 1 e 2, e da constelação Planet, mapeando quatro tipos principais de área degradada: 1) desmatamentos associados ao garimpo; 2) garimpos ativos no qual o solo aparece nu; 3) áreas recém abandonadas, que mostram um incipiente avanço da vegetação, essencialmente composta de gramíneas cobrindo cascalheiras; e 4) pequenas lagoas de rejeito”.

Clique aqui para ler a íntegra do documento

Segundo a HAY, as imagens de satélite mostraram que, de um total de 37 regiões do território Yanomami, 21 tinham registros de desmatamento associado ao garimpo em 2023, são elas:

  • Alto Catrimani;
  • Alto Mucajaí;
  • Apiaú;
  • Arathau (Parima);
  • Auaris;
  • Balawau;
  • Demini;
  • Ericó;
  • Hakoma;
  • Homoxi;
  • Kayanau (Papiu);
  • Maturacá;
  • Missão Catrimani;
  • Palimiu;
  • Papiu (Maloca Papiu);
  • Parafuri;
  • Surucucus;
  • Uraricoera;
  • Waikás,
  • Waputha;
  • Xitei.

Novas áreas – O monitoramento por satélite indicou que, entre janeiro e dezembro do ano passado, foram registrados em terras Yanomami 1.127 alertas de novas áreas de desmatamento associadas ao garimpo, que somaram 238,9 hectares.

O documento reforça que os meses que mais registraram alertas foram janeiro (310), março (193) e outubro (119). E que nos últimos dois meses destacados, o território já estava sob intervenção, com presença de forças de segurança. Pelo relatório, em janeiro, foram 67,7 hectares devastados; em março, 52,3; e em outubro, 22,6 hectares. Cada hectare é equivalente ao tamanho de um campo de futebol.

O documento pontua que, em 21 de janeiro de 2023, o governo federal recém-eleito declarou Estado de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) no território Yanomami, em Roraima. Porém, um ano depois, “a despeito dos esforços já colocados pela administração federal, o caminho para a recuperação territorial e sanitária da TI Yanomami ainda é longo e muitos ajustes precisam ser feitos para recuperar um caminho de bem viver e prosperidade para as famílias indígenas.”

“Se no primeiro semestre (de 2023), o conjunto de operações e medidas de controle de acesso ao território, contribuíram para a saída de boa parte dos invasores (estima-se que algo em torno de 70% a 80% do contingente de 2022), no segundo semestre, com o relaxamento das ações de repressão, especialmente depois que as forças armadas assumiram um maior protagonismo nas operações, observou-se a reativação e a intensificação da exploração em diversas zonas”, prossegue o documento.

Mulheres e crianças Yanomami. Foto Fernando Frazão/ Agência Brasil

Regiões mais devastadas – A Nota técnica da HAY também faz referência a um monitoramento feito pelo Greenpeace, onde consta que a região mais devastada em 2023 foi a região do rio Couto de Magalhães, que totalizou, ao longo de todo o ano passado, 78 hectares destruídos por conta do garimpo. O Greenpeace explica que este rio está situado na região central do território Yanomami e é um afluente do rio Mucajaí.

Ainda conforme o monitoramento, logo após a região do Couto Magalhães, aparece a região do rio Mucajaí, que registrou no ano passado 55 hectares devastados. Segundo o Greenpeace, este rio sempre teve forte presença garimpeira e, em 2023, sua nascente foi bastante prejudicada com a abertura de novas áreas para exploração ilegal de ouro e cassiterita. “Foi no rio Mucajaí que, em novembro do ano passado, foi registrada a queda de um avião de garimpeiros.”

A terceira região mais devastada do território em 2023 foi a área do rio Uraricoera, que registrou 32 hectares. De acordo com o monitoramento, “esta região teve uma enorme redução da atividade garimpeira e foi um dos focos de atuação das forças federais ano passado – mas, ainda assim, os criminosos conseguiram abrir novas áreas de exploração ilegal por ali também.”

O Greenpeace explica que este levantamento “foi feito através da interpretação de imagens de satélites de 4,7 metros de resolução da Planet. Foram utilizados os mosaicos mensais e, em algumas situações, os diários, para identificação de novas áreas de desmatamento abertas pela atividade garimpeira.”

308 indígenas morreram sem atendimento médico em áreas de atuação do garimpo ilegal

Segundo a Nota técnica, de janeiro a novembro de 2023, houve o registro de 308 mortes de Yanomami e Ye’kwana sem que servidores da saúde conseguissem atender comunidades vulneráveis por medo dos garimpeiros ilegais. Dessa forma, mortes por doenças tratáveis seguiram ocorrendo em escala semelhante a dos últimos anos.

Das 308 mortes, 129 foram por doenças infecciosas e parasitárias (21%) e doenças respiratórias (21%). Casos destes tipos seriam facilmente tratáveis se a estrutura de atenção à saúde Yanomami funcionasse. No entanto, o novo relatório aponta que o garimpo intimida servidores da saúde e impede que esses profissionais atuem em comunidades mais vulneráveis.

Vacinas – A presença do garimpo impacta também na cobertura vacinal de crianças. Conforme dados do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY), menos da metade de crianças de até um ano, em 29 polos de saúde, recebeu todas as vacinas. Na faixa de 1 a 4 anos, 14 pólos tiveram menos da metade das crianças totalmente vacinadas. Na região do Xitei, onde profissionais de saúde estão impedidos de visitar casas coletivas em razão do garimpo, a vacinação atingiu apenas 1,8% das crianças de até 1 ano, e 4,2% das crianças de 1 a 4 anos.

Malária – A malária também é um dos problemas ainda não solucionados. Mesmo sem a disponibilização dos dados de novembro e dezembro de 2023, o ano acumulou mais de 25 mil casos, tendo uma média de quase dois mil casos para 12 meses. Ano passado os dois pólos mais afetados pela malária foram Auaris e Palimiú. Juntos, eles concentraram 37% de todos os casos da Terra Indígena Yanomami – mais de 9 mil casos. Em ambas as regiões, sabe-se da influência do garimpo como principal vetor da doença.

Retorno massivo de garimpeiros ocorreu no segundo semestre

Estima-se que até 80% dos invasores tenham sido retirados nos primeiros seis meses de operação federal. No entanto, durante o segundo semestre, houve retorno massivo dos garimpeiros ilegais. Os indígenas da região de Palimiú relatam acordar todos os dias com o barulho de motores de alta potência furando um bloqueio no Rio Uraricoera. Além de Palimiú, o Sistema de Alertas da Terra Indígena Yanomami confirmou a presença de garimpeiros em Alto Catrimani, Alto Mucajaí, Apiaú, Auaris, Homoxi, Kayanau (Papiu), Maturacá, Missão Catrimani, Papiu (Maloca Papiu), Uraricoera, Waikás, e Xitei.

A presença de forças oficiais dentro do território também fez com que os garimpeiros sofisticassem seus métodos: eles têm usado de diversos novos expedientes, como trabalhar de noite; evitar o corte de árvores para que o desmatamento não apareça nas imagens de satélite; e a colocação de estacas em campos abertos, para impedir que aviões e helicópteros pousem em estradas e clareiras abertas no meio da mata. Segundo o Greenpeace, “lideranças também contam que os garimpeiros mudaram seus centros logísticos para a Venezuela, em lugares como Alto Orinoco, Shimada Ocho, Alto Caura, Santa Elena; e têm adotado novas tecnologias de comunicação para se antecipar às operações.”

A Nota técnica divulga da pela HAY reforça que “Além de contribuir para a proliferação de doenças infectocontagiosas e dos impactos ambientais, a presença dos garimpeiros têm efeitos diretos na estabilidade política das regiões e na segurança efetivas das famílias indígenas e dos profissionais de saúde, em muitos casos, inviabilizando a livre circulação das pessoas e a possibilidade da realização de visitas regulares às aldeias”

“Obviamente, a manutenção de um alto número de mortes (308 até novembro de 2023), não se explica apenas por esta razão, houve também importantes falhas na execução das ações de saúde, como o baixo investimento nas infraestruturas de saúde no território, o déficit de recursos humanos, e equívocos de planejamento, mas os efeitos deletérios do garimpo não podem ser subestimados”, prossegue o documento.

Em entrevista ao Greenpeace, o líder Yanomami e presidente da HAY, Davi Kopenawa, pediu que o governo federal reforce as ações de saúde em toda a Terra Indígena Yanomami, mantendo um trabalho coordenado que garanta a assistência para os Yanomami e Ye’kwana: “Já completou um ano. Agora em 2024, vamos começar de novo? Eu queria conversar com o Exército e com os militares porque eles estão lá para proteger a floresta nacional, a floresta Amazônica, mas não estão protegendo. Só protegem os quartéis e o território Yanomami precisa de proteção porque essa floresta é uma proteção para o Brasil”.

Comitiva de ministros esteve no território Yanomami este mês

Em 10 de janeiro deste ano, uma comitiva formada pelos ministros dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida; do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva; e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, além de representantes da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), visitou novamente o território Yanomami, em Roraima.

Conforme destacado pela Agência Brasil, a visita ocorreu um dia após o Palácio do Planalto anunciar investimento de R$ 1,2 bilhão para o ano de 2024 em ações do governo no território, bem como a intenção de implantar, de forma permanente, uma Casa de Governo para concentrar a atuação permanente dos órgãos federais na segurança e acesso a políticas públicas pelos indígenas.

Segundo a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, nos primeiros 22 dias de 2024 as ações de combate ao garimpo ilegal no território Yanomami levaram à destruição de duas aeronaves, 78 motores, cinco motobombas e 2.500 litros de combustível utilizados pelo garimpo na região. Além disso, foram apreendidos também radiocomunicadores, coletes à prova de balas, além de uma arma de fogo com munições e acessórios.

Pelo balanço do governo federal, ao longo do ano de 2023, as ações de enfrentamento resultaram na destruição de 39 aeronaves, 550 motores, 88 balsas, 52 barcos, 82 motores de popa e 5 mil metros de mangueira.

Operação contra o garimpo ilegal realizada pela PF e Ibama, com o apoio da Polícia Nacional da Colômbia. Foto: Polícia Federal

Veja, abaixo, as recomendações presentes na Nota técnica divulgada nesta sexta-feira, pela Hutukara Associação Yanomami (HAY):

  • Retomada urgente das operações de retirada de garimpeiros;
  • Fortalecer a articulação entre as ações e planejar o desenvolvimento delas de maneira integrada, através de uma coordenação intersetorial;
  • Elaboração de um Plano de Proteção Territorial, que reduza a vulnerabilidade das calhas de rio que dão acesso ao território; que promova o bloqueio fluvial e o controle do espaço aéreo; que garanta uma rotina de patrulhamento nos rios; que promova o desenvolvimento de atividades de recuperação socioeconômica das comunidades; que envolva os indígenas nas ações de vigilância; e que faça fiscalização no entorno de pistas de pouso, portos e postos de combustível;
  • Desenvolver um plano para estimular o desarmamento voluntário em regiões sensíveis;
  • Apoiar o reassentamento de comunidades afetadas pelo garimpo que tenham interesse de se mudar para novos locais;
  • Criação de uma força-tarefa para o controle da malária na Terra Indígena Yanomami;
  • Ampliação das parcerias com organizações de saúde que possam ajudar a enfrentar a crise sanitária;
  • Melhorar algumas ações que já ocorrem na área da saúde – como fazer reformas nas estruturas de saúde destinadas a atender os Yanomami, bem como nas pistas de pouso que atendem os postos de saúde; investir na mobilidade segura dos funcionários dentro de território; criar novas unidades de saúde; e garantir o controle social dos orçamentos do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY).
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