“Governos não se importam com os indicadores”

PROFESSOR ADJUNTO DO DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS (UFAM) LÍDER DO GRUPO DE PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, GOVERNO E SOCIEDADE (GPAPGES), Mauricio Brilhante de Mendonça defende que é preciso ter indicadores bons, se interessar por eles, torna-los públicos e relaciona-los à realidade, pois o choque com esta pressionaria a sociedade em busca de melhor de desenvolvimento econômico e humano. Doutor em Administração Pública e Governo (pela FGV-SP) e mestre em Desenvolvimento Regional pela Ufam, Brilhante lembra no entanto, que o Amazonas, a despeito de seu potencial econômico, não ocupa posição relevante nos rankings nacionais. “São raros os governadores, secretários estaduais, e mesmo técnicos, que têm hábito de registrar, medir e publicar seus desempenhos pessoais ou de suas funções e órgãos”, lamentou. Na conversa com a PIM Amazônia, o especialista, que já publicou vários artigos e livros na área, fala também dos efeitos da crise política no Amazonas e das potencialidades econômicas do Estado. Leia, a seguir, a entrevista.

Revista PIM Amazônia – Em termos de desenvolvimento social e econômico, qual a posição do Amazonas no presente cenário nacional?

Mauricio Brilhante – O atual momento é complexo para analisarmos as duas questões: a economia e o desenvolvimento social. Estamos passando por um período conturbado, após uma ruptura de um processo em andamento. Havia um plano em execução, que era para rodar até 2018, e um plano plurianual de investimento para vigorar até 2019. Com defeitos e qualidades, havia um projeto que, de certa forma, dava um direcionamento e que se aproveitava muito de um  certo movimento inercial de tudo o que ocorrera antes. Contudo, todo o processo de disputa política extemporânea levou ao impechment da presidente Dilma Roussef, em agosto de 2016. Esse impedimento marca uma ruptura na conjuntura econômica e política no país, que redireciona intenções e projetos de grande porte em um período curto de tempo.

Qual é o impacto dessa ruptura política para a economia brasileira?

O governo federal é o maior investidor do Brasil. Se ele redireciona seus recursos abruptamente, mexe com o planejamento de diversos investidores privados, causando instabilidade e adaptação de planos, programas e projetos, sejam públicos ou privados. No caso em questão, como não estamos tratando de uma simples troca de nomes, mas de grupos, houve grandes mudanças que impactaram profundamente as ações empresariais. Ou seja, a economia e os programas sociais, isto é, o desenvolvimento como um todo. Some-se a isso que essa mudança tem um curto prazo para ser novamente alterada. Ou seja, tudo que o governo de Michel Temer poderia implementar seria no curto período de setembro/2016 a outubro/2018. Após a eleição, teríamos e teremos um novo redirecionamento. Há ainda o caso do Amazonas, que também mudou de governo por duas vezes, em março e outubro de 2017. A economia brasileira está em choque, pressionada pela sociedade, pelo mercado financeiro e pelo capital produtivo, que se distingue, ou pelo menos deveria se distinguir, do financeiro.

E como se dá essa dinâmica em nosso Estado? Temos dados a respeito disso?

Recentemente, em agosto de 2018, a Folha de São Paulo lançou o REEF (Ranking de Eficiência dos Estados Folha), que atribui um índice de zero a um para cada Estado da federação, ranqueando estes no sentido de ver quais entregam mais saúde, educação, segurança e infraestrutura com menos recursos. Entre as 26 unidades federativas, o Amazonas ficou em 19° colocado, considerado pouco eficiente e com índice 0,344. Goiás, era o Estado com menor índice (0,445) entre os considerados razoavelmente eficientes. Apenas cinco foram considerados eficientes, por terem ultrapassado 0,5 no índice: Santa Catarina, São Paulo, Paraná, Pernambuco e Espírito Santo. O Amazonas foi puxado para baixo pelos critérios de arrecadação per capta, infraestrutura e saúde e conseguiu alcançar a média na educação, segurança e finanças.Podemos encontrar índices e rankings para todos os gostos, melhores cidades para investir em negócios, melhores cidades para viver e veremos que temos muito a melhorar em todos os aspectos.  Temos que ter consciência enquanto sociedade, incluindo aqui governantes e governados, de que essa situação só mudará consistentemente se estivermos realmente bem direcionados e com respeito mútuo à cidadania.

Qual o potencial de mudança desse cenário, a partir das próximas eleições?

É preciso entender que estamos em um momento de escolha de um ciclo de investimentos e de uma liderança que irá conduzir os investimentos e políticas sociais a partir de 2019, mas que pelo planejamento plurianual abrangerá o período de 2020-2023. É claro que não podemos ser ingênuos de imaginar que haverá grande renovação nos legislativos. Mas, é importante que tenhamos estabilidade nos poderes executivos. A decisão que sairá das urnas será o indicador do que ocorrerá nos próximos anos. Se estaremos mais focados na economia ou no social, se teremos uma sociedade mais solidária ou mais preocupada com interesses corporativos e setoriais, ou se conseguiremos fazer as coisas andarem juntas, uma sem excluir a outra. Isso ocorrerá em âmbito nacional e estadual. Estamos enfrentando graves problemas econômicos e sociais devido a uma conjunção de fatores e de duas rupturas abruptas em processos em andamento, porém, poderemos ter, em breve, um novo período de equilíbrio e estabilidade política que promova a economia e o desenvolvimento social.

Que atividades econômicas são expressivas hoje para a economia do Amazonas?

Sem sombra de dúvida, o motor da nossa economia urbana é o PIM, capaz de gerar movimentação suficiente na economia e puxar os serviços privados e a administração pública, impulsionando o comércio e a agropecuária.De forma expressiva, temos a indústria incentivada e o setor de energia, que impulsiona as atividades econômicas, especialmente na área urbana de Manaus. Porém, se formos além dos dados de arrecadação e faturamento de empresas, e se falarmos em termos de Amazonas, veremos que temos algumas atividades econômicas importantes às quais é dada pouca atenção. Dados do censo demográfico de 2010, o último disponível, mostrava que, no Amazonas, cerca de 244 mil pessoas responderam ter nas atividades industriais a sua área de atuação. Ou seja, não significa que estivessem empregados, mas que, ou eram industriais aposentados, ou pessoas que executavam serviços esporádicos para esse setor, ou que estavam procurando emprego no mesmo. Entretanto, 276 mil apontaram o setor de serviços, transportes, comunicações e armazenagem.Outros 276 mil estão na agricultura, pecuária, silvicultura, extração vegetal, caça e pesca. E 207 mil atuam no comércio de mercadorias. Ou seja, precisamos olhar além do PIM e da indústria e mesmo da mineração, que corre o risco de ser objeto de medidas feitas às pressas, em desespero, para o uso dos estoques e jazidas do Amazonas.

Qual a importância da Zona Franca de Manaus para a região?

A ZFM, especialmente o PIM, é importante não apenas pelo seu potencial de emprego, renda e arrecadação tributária. Por incrível que pareça, apesar de estarmos imersos na Amazônia, é pela ZFM que firmamos nossas relações com a economia e com a política nacional e internacional. Os diálogos políticos externos da capital Manaus e do Governo do Estado do Amazonas com a União, e mesmo com entes internacionais, são muito mais focados nas atividades econômicas do PIM do que na nossa realidade geográfica, física e natural. Então, a ZFM tem sido nosso ponto de contato, de interesse comum, com o Brasil e com o mundo. Fazendo uma analogia: é por meio da ZFM que o Amazonas entra nas pautas de discussões, por exemplo, das reformas estruturantes, como a trabalhista, em termos de infraestrutura, política fiscal, pacto federativo e nas relações internacionais. Muitas das nossas potencialidades, dificuldades, oportunidades e ameaças são sobrepostas pelos assuntos que envolvem a ZFM. É claro que muita gente já percebeu isso e até existem estratégias de argumentação política, que levam a situações interessantes. Um exemplo pode ser visto quando as questões de sustentabilidade ambiental do Amazonas são discutidas e o assunto Zona Franca de Manaus entra na pauta.

Em sua opinião, qual a vocação econômica do Amazonas?

Hoje, creio que a produção industrial de bens de consumo já faz parte da nossa vocação regional em termos de atividades produtivas. Vejo outras vocações, como os transportes – especialmente o fluvial, mas poderia ser também o aéreo. Há também a indústria energética, a pesquisa ambiental básica e aplicada, a cultura tradicional através da música, folclore, lendas, arte, história e culinária. Temos que entender que temos características únicas, que podem nos estabelecer como atração turística, mas que estiveram por muito tempo estagnadas, e que ainda precisa de estabelecimentos de protocolos e estratégias e um alto nível de profissionalização. O mesmo ocorre com os mercados ligados ao ar e crédito de carbono, água e ao manejo da madeira. Sem dúvida, a pesca e a piscicultura também são uma vocação, carentes de gestão, manejo, investimento, ciência e profissionalização.

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