“Hoje seguramente o Festival de Parintins sustenta a cidade, em todos os sentidos”

Entrevista com Fred Góes, presidente do Garantido
Fred Góes, presidente do Garantido

COMO COMEÇOU A RELAÇÃO DO FRED COM PARINTINS E O BOI BUMBÁ? ELE SEMPRE FOI GARANTIDO?

Sim, a minha origem é familiar. A minha mãe era irmã do fundador do boi, Mestre Lindolfo, por parte de pai, e desde pequeno ela sempre me trouxe pra assistir os ensaios, tanto do garantindo quanto do contrário, mas a relação com o garantido era muito mais próxima, até porque onde hoje é o Planeta Boi era o sítio do meu avô, chamava sitio São José, ao lado do que hoje é chamado de Baixa do São José, então essa relação vem desde criança. O meu pai era marceneiro, e naquela época os brinquedos eram mais artesanais do que os industrializados de hoje, então os carrinhos, bonecos e tudo mais, eram feitos de madeira, feitos a mão. Daí o envolvimento com o boi foi muito natural.

Eu fui para São Paulo com 16 anos para estudar jornalismo, me formei em 1974 na Faculdade de Comunicação Social Casper Líbero, foi a primeira faculdade de jornalismo do Brasil, e fiquei 20 anos em São Paulo. Trabalhei em jornais grandes, trabalhei no jornal A Tarde, do Grupo de O Estadão, que era o jornal mais jovem da empresa. Participei de vários momentos importantes como o incêndio no Edifício Joelma, onde fizemos um trabalho coletivo na época com 36 repórteres, e a equipe que eu participei ganhou o prêmio Esso de Jornalismo. Na época, o incêndio começou às nove horas da manhã, e às onze horas o jornal já estava na rua.

A minha passagem pelo jornalismo sempre foi muito próxima da questão artística. Eu sempre gostei e frequentei muitos shows, e naquele momento da chegada do pessoal que veio da Bahia e do Ceará. O Gil, Caetano, Raimundo Fagner, Tom Zé, uma porção de artistas. Naquela época esses shows eram feitos na Faculdade Maria Antônia, com a apresentação de Serginho Groisman. Então eu frequentei esse momento e esses espaços, e tudo isso trouxe uma formação e me levou para o caminho da arte. Depois eu participei de alguns grupos musicais, sempre de música latino américa, e isso foi um enriquecimento muito grande. Depois de vinte anos eu vim embora para Parintins.

O QUE MOTIVOU O SENHOR A VOLTAR PARA PARINTINS?

Eu vim para fazer um show no Teatro Amazonas (Manaus) chamado Flor da Magia, eu e um companheiro meu chamado Zeca Bahia (já falecido). Aí eu vim ver o Festival de Parintins, porque quando eu fui embora em 1965, eu não acompanhei o início do festival, então a primeira vez que eu vi o show foi neste momento. Eu vim a Manaus para fazer um show e vim assistir o festival pela primeira vez. Era para ser alguns dias. Passei dois meses, e decidi ir para São Paulo entregar minhas coisas e pegar meu filho, e vim para cá de mala e cuia, e estou aqui até hoje.

EM QUE PONTO QUE O FESTIVAL VIROU ESSE ESPETÁCULO QUE ELE É HOJE? EXISTE ALGUM MARCO TEMPORAL OU ALGUM ACONTECIMENTO? EM QUE ANO O FESTIVAL DEIXOU DE SER O QUE ERA PARA VIRAR O QUE É HOJE?

É importante agente traçar um processo desse desenvolvimento que levou isso.
Algumas pessoas aqui de Parintins, por exemplo o Emerson Maia que estudou em Belém, a Escola Musical de Belém sempre foi muito importante, e voltou também assim como eu para Parintins, trazendo uma bagagem com conhecimento musical que começa a dar uma nova roupagem às toadas, então começa por aí. Depois tem Paulinho Faria por exemplo, que também tinha o dom artístico e também trouxe uma vertente com uma carga de preocupação com espetáculo, como a maneira de apresentar, a maneira de envolver o torcedor, trazer ele para dentro da emoção, o Paulinho foi importante nisso. Então isso foi um desenvolvimento que foi acontecendo artisticamente.

Depois disso teve Jair Mendes, que é um artista que esteve no Rio de Janeiro e também trouxe essa formação para um espetáculo mais profissional, embora isso tenha sido um pouco empírico. Tem uma série de pessoas que estão dentro deste processo. Não vou dizer que só do lado do Garantido, mas também do Contrário, eles também tiveram formação nesse sentido, de fazer o Festival chegar aonde chegou.

Depois tem um outro momento, que é quando eu chego em Parintins e tenho contato com todo esse pessoal, Paulinho, Emerson. É claro que como eu estava fora, embora eu tivesse muito a aportar para o espetáculo, eu fui me inserindo gradativamente nesse processo. Sempre ouve uma relação muito grande de amizade. A inserção do charango por exemplo, tem seu início no boi em São Paulo, quando no final da década de 1970, dois chilenos que tocavam comigo e adoravam toada, pediram para eu montar um show com bois para eles apresentarem na Febem. Os bois eram feitos de caixa, e eles apresentavam as todas tanto do Garantido quanto do Contrário nesse espetáculo, com rabeca e charango.

Então quando eu cheguei aqui, eu tinha essa preocupação, pois a tradição era muito forte e nessa época não se aceitava harmonia, eram só tambores. O primeiro charanguista que aprendeu a tocar o instrumento em Parintins foi o Silvio Camaleão, do Contrário. Sempre tivemos uma relação de amizade muito grande, e fomos inserindo isso gradativamente. Na época não se aceitava a harmonia, não se aceitava tocar nos ensaios.

Numa tarde ia ter o ensaio do Garantido lá na baixa, e nós estávamos embaixo dos tucumanzeiros tocando com uma turma. Foi caindo a tarde, e o João Batista que era Amo do Boi na época era que começava os ensaios. Ele se juntou e ficou lá com a gente antes de começar o ensaio. Conclusão: nós saímos de baixo dos tucumanzeiros e fomos para o palanque de madeira para começar o ensaio ao anoitecer. O Paulinho entrou com o Cuatro e eu estava com o Charango, e o que estávamos fazendo antes aconteceu com a maior naturalidade, o João Batista não reclamou e o pessoal começou a gostar.

Sintetizando a sua pergunta, na realidade, esse processo envolveu uma moçada que estava aqui e coincidiu com a minha chegada. Não fui eu que introduzi essa mudança, esse avanço, foi todo um complexo de pessoas que estavam aqui, como Zé Carlos (periquito) do lado do Contrário, que foi muito importante, New Armstrong, Alex Pontes, que foi também outro grande charanguista. Então essas pessoas meio na amarra, empiricamente, foram tocando e aperfeiçoando para chegar ao nível que está, de maneira natural.

QUAL A IMPORTÂNCIA DO FESTIVAL PARA A CIDADE DE PARINTINS E PARA A POPULAÇÃO QUE MORA AQUI?

Parintins vive um processo de economia criativa. Quando o boi começa a surgir e chamar a atenção das pessoas de fora, tudo isso está ligado à importância da economia de Parintins. Parintins foi por muito tempo o primeiro produtor de gado bovino do Estado, hoje não é mais. Então essa economia foi sendo gradativamente substituída pelo boi de pano, que foram os espetáculos. Então o Festival hoje, tem uma importância na economia de Parintins de no mínimo seis meses, da sobrevivência da comunidade.

Hospitais, recursos médicos melhores, universidades, por exemplo hoje Parintins é um polo universitário importante, com muitas faculdades, muitas que vieram até de fora. Tudo isso trazido pela força da economia criativa do boi. A gente conversa muito com o pessoal do Contrário sobre exatamente isso, quando a gente sai daqui a gente deixa de ser do Contrário. Como dizia Thiago de Melo, “os bois são as duas bandas da mesma fruta”. Hoje seguramente o Festival de Parintins sustenta a cidade, em todos os sentidos. Só pelo Garantido, são 700 empregos diretos e quase 3 mil indiretos. Sem falar nas inúmeras empresas que vieram de fora e geram muitos empregos também. Então Parintins é movida pela economia da arte.

O QUE O FESTIVAL DE PARINTINS GANHOU COM A PARTICIPAÇÃO DA CUNHÃ ISABELE NOGUEIRA NO PROGRAMA BBB?

A Isabelle na realidade foi a cereja do bolo, porque o boi já vinha trabalhando muito nisso, e uma das primeiras pessoas a se preocupar com o festival foi o poeta Thiago de Melo. Como ele tinha relação com o Rio de Janeiro, morou lá e tinha relação direta com o pessoal da Globo e já tinha trazido gente para fazer matéria, já tinha trazido vários artistas, então essa divulgação já vinha acontecendo.

E o Festival de Parintins, com a projeção dos artistas daqui tanto no Carnaval de São Paulo quanto do Rio de Janeiro, eles foram colocando gradativamente o festival na visibilidade nacional, através da arte levada daqui para lá. Então o festival já estava no Brasil, e a Isabelle foi aquele momento, quer queira ou não era a maior televisão do país, no programa que todo mundo assiste, então foi a cereja do bolo midiático.

Ela trabalhou o lado mais cultural, soube levar isso até o final. Eu conheço a Isabelle desde Nova Olinda do Norte, e ela sempre foi uma menina muito despojada e muito preparada. Sempre foi muito simples, muito humilde no trato com as pessoas, mas sempre muito exigente nos itens que ela exercia. E no Garantido não foi diferente. Ela veio galgando pontos dentro do espetáculo, sempre batalhando pelo seu momento.

Eu acho que é isso, não tem nenhum problema de o artista dar a sua opinião, até porque todos contribuem para fazer o espetáculo que agente faz de forma positiva e que chegue no coração da torcida vermelha e branca.

O SENHOR QUER ACRESCENTAR ALGO QUE FALTOU REGISTRAR?

A única coisa que faltou e não é segredo, é que o Garantido vai ser campeão esse ano.

MAS EU CONVERSEI COM O CAPRICHOSO E ELES DISERRAM QUE VÃO SER TRICAMPEÕES ESSE ANO.

Então quando você encontrar com um deles por aí, você bate nas costas dele e peça para ele dizer trinta e três.

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