Inovar para não morrer

Por Margarida Galvão

 

Carro-chefe da economia do Amazonas, a indústria veio a reboque da implantação do modelo Zona Franca de Manaus, em fevereiro de 1967. Criada dentro da política industrial de substituição de importações do Regime Militar (1964-1985), a ZFM tinha como premissa inicial promover o desenvolvimento na Amazônia Ocidental – Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima –, bem como nas cidades de Macapá e Santana – ambas no Amapá –, em uma área total que equivale a 25% do território nacional.

Passadas mais de cinco décadas, esse modelo desenvolveu tecnologia e mão de obra altamente qualificada. Hoje, as mais de 500 empresas que formam o Polo Industrial de Manaus (PIM) atendem à maior parte do mercado interno com produtos de consumo – televisores, computadores, celulares, condicionadores de ar, motocicletas, relógios de pulso – e parcela considerável da demanda das linhas de produção locais por subconjuntos que compõem esses mesmos bens finais.

Quatro anos depois da renovação dos incentivos da ZFM até 2050, os ataques no âmbito da guerra fiscal deixaram de ser os únicos motivos de perda de sono das lideranças do PIM. Desponta agora, mais do que nunca, a constatação de que a indústria precisa se reinventar urgentemente para fazer frente às rápidas transformações do mundo do consumo, e aproveitar as oportunidades de negócio vocacionadas pelo meio ambiente amazônico – a exemplo da biotecnologia.

Tome-se como exemplo o polo eletroeletrônico, que continua gerando o maior faturamento no PIM. De janeiro a julho deste ano, o faturamento foi de US$ 4,41 bilhões, alta de 11,87% sobre o mesmo período de 2017. O principal produto continua sendo a TV com tela de cristal líquido. Os números da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa) apontam que, nos sete meses iniciais de 2018, foram produzidas 7,37 milhões de unidades, alta de 24,72% ante o mesmo intervalo do ano passado.

No entanto, as novas tecnologias de dispositivos móveis sinalizam tornar às TVs obsoletas, em breve. Com o agravante de que o PIM vem perdendo terreno na produção desses itens, em virtude da Lei de Informática, medida que incentivou a produção de celulares e tablets em outras partes do país e a saída de fabricantes do PIM, com reflexos na produção.

O sócio-diretor da Projec, Raimundo Lopes Filho, aponta que a chamada convergência digital, aliada a Internet das coisas (IoT) transformará os aparelhos de TV em equipamentos multiuso que, além da TV também será usado como monitor de vídeo, com capacidade de monitorar todas as funções em uma única tela.

Segundo Lopes Filho, as fabricantes do polo incentivado de Manaus terão que adquirir essa tecnologia sob pena de ficar fora do mercado em um futuro próximo. “A evolução é inevitável e deverá ocorrer. No máximo, em cinco a dez anos”.

Dirigente de uma das maiores fábricas do polo relojoeiro do PIM e presidente do Conselho Superior do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam), Maurício Loureiro reconhece que há uma forte tendência tecnológica e de consumo, mas assegura que a tecnologia por si só não é sintoma de sucesso, pois quem define o que quer é o consumidor.

Loureiro disse também que há hoje tecnologias que ainda não foram lançadas, em função da obsolescência planejada dos produtos, medida que permitiria à indústria estimular o consumo de novos produtos em um mercado onde o ponto de equilíbrio já fora alcançado.

“Outro ponto importante é a fusão de tecnologias. Veja, por exemplo, a questão do celular, que hoje pode ser utilizado em relógios de pulso, que é chamado de smartwatch. Alguns deles já incluem chips, que proporcionam integrações de pagamentos, entre outras opções”.

 

Lei de Informática

Apesar das perdas causadas pela Lei de Informática, o PIM ainda tem uma produção significativa de telefones celulares, tanto é que suas linhas responderam por 8,66 milhões de unidades no período de janeiro a julho de 2018, um crescimento de 7,19% em relação ao mesmo período do ano passado.

Maurício Loureiro defende que a alta da produção pode ser retomada, desde que os benefícios indevidos da chamada Lei de informática – e que foi condenada pela Organização Mundial do Comércio (OMC) – sejam revertidos. Segundo o dirigente, há investidores olhando para a ZFM com essa perspectiva e iniciando investimentos em Manaus.

Raimundo Lopes Filho atesta que a Lei de Informática, aliada aos estímulos concedidos ao “arrepio da lei” pelos Estados, se equilibra com os incentivos fiscais da ZFM para minar a competitividade do modelo nessas linhas de produção.

Por outro lado, ele lembra que a reforma fiscal que tramita no Congresso poderá alterar esse quadro, caso sejam mantidos os benefícios atuais do PIM. “Para atrair novos investimentos será necessário corrigir os graves entraves de logística, que oneram os custos de produção das empresas e retiram a competitividade local”.

 

Motores elétricos

Outro segmento com produção significativa no PIM – e que também pode estar em xeque no médio prazo, em decorrência de mudanças no panorama de mercado – é o de duas rodas, o único no país e o maior da América Latina. Os fabricantes de motos começam a sentir os efeitos da recuperação, após anos seguidos de queda de vendas.

No levantamento da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), o segmento vem se recuperando desde o final do ano passado e agora a projeção da entidade é de alta para o final de 2018 (leia mais sobre o assunto nesta edição).

A gradual substituição dos motores de combustão pelos elétricos é apontada como desvantajosa para Manaus, onde a produção ainda não é competitiva. Maurício Loureiro defende que é possível tornar o PIM competitivo para os motores elétricos, desde que sejam implementadas algumas soluções, como formar mão de obra, ter uma política industrial com transparência e oferecer garantias jurídicas reais.

Segundo o executivo, os motores elétricos estão em destaque no mundo e as principais montadoras de automóveis já descobriram esse caminho, sob a orientação e iniciativa da Tesla – montadora que desenvolve, produz e vende automóveis elétricos de alto desempenho. “A companhia saiu na frente por acreditar na sustentabilidade do seu negócio, onde o meio ambiente e a necessidade de sobrevivência da espécie humana, nos imporá mudanças de comportamentos”.

Raimundo Lopes Filho aponta limitações no próprio decreto-lei que criou a Zona Franca (nº 288/1967) como fator de inibição à iniciativa. Ele lembra que a legislação exclui os veículos de passeio e,embora não cite suas respectivas partes e peças, o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) tem bloqueado a aprovação de processos produtivos Básicos (PPB) para fabricação desses itens. “É permitida apenas a fabricação de veículos utilitários”.

 

Futuro na bioindústria

Há muito tempo, especialistas da indústria incentivada, economistas e políticos apontam a bioindústria como alternativa para ampliar o setor fabril amazonense. Maurício Loureiro avalia que existem ótimas oportunidades de criar novos ambientes de negócios no Amazonas para esse fim.

“Somos ricos, mas não soubemos utilizar essa riqueza em nosso favor. Pensamos grande, mas executamos planos medíocres, que não nos levaram a lugar algum, a não ser o que temos hoje na ZFM. Arrecadamos fortunas em impostos, continuamos a fazê-lo, mas sem um planejamento de médio e longo prazos, onde educação, infraestrutura, saúde e segurança jurídica, sejam fortes apoiadores de investimentos”.

De acordo com o dirigente do Cieam, a possibilidade da bioindústria está ao alcance da mão, mas o Amazonas e o Brasil ainda não sabem como fazer funcionar.

“Imagine, que pudéssemos investir através apenas de uma das contribuições que são geradas pela ZFM e sua indústria: o FTI [Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Amazonas]. Aliado a isso, poderia advir a exploração de diversos minerais, que hoje adormecem em nosso subsolo e que são contrabandeados em pequenas quantidades, sem que nada deixem como contribuição”.

Raimundo Lopes Filho também acredita que o futuro da Amazônia está na exploração sustentável da sua biodiversidade. O dirigente lamenta que mais de meio século foi perdido sem que fossem realizados investimentos para a produção racional de essências regionais, uma vez que hoje a produção dessas matérias-primas é quase que totalmente artesanal.

Ele citou como exemplo, a borracha e o guaraná, cuja produção não atende sequer o consumo do PIM, enquanto Bahia e São Paulo são os grandes fornecedores desses itens. No entendimento de Lopes, a pesquisa desenvolvida pela academia deveria andar de mãos dadas com a indústria para que os estudos sejam direcionados para atender às necessidades das empresas.

 

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