Queremos saudar a boa vontade e a imaginação fértil da Sepec (Secretaria de Produtividade, Emprego e Competitividade) pelo anúncio de extrema boa vontade com que tratou o futuro do Amazonas e sua proposta elegante e sedutora para pôr fim aos incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus. Numa só canetada, ela transformaria em nada os 52 anos de nossa contrapartida fiscal e em seu lugar sugere um novo programa – que não é, cá pra nós, um programa de índio. Em poucas palavras: o novo programa pretende estimular cinco polos econômicos – biofármacos, turismo, defesa, mineração e piscicultura – para que, até 2073, as empresas desses ramos que se instalarem na região possam gerar pelo menos o equivalente aos subsídios hoje concedidos pela União, algo em torno de R$ 25 bilhões por ano.
Dá a impressão que a ZFM degusta um centavo do erário público nessa cifra monumental. Não. Não degusta, pois não há um centavo do contribuinte na estrutura e funcionamento do setor produtivo, que gera emprego, renda e generosos tributos pelo país afora e pela União a dentro. A saída é mágica e inquestionável. Vamos saltar de quase um porto de lenha – não fosse aZFM – e faremos de Iranduba uma metamorfose singular, conjugando seu verbo no infinitivo Irandubar, Dubai. Só falta combinar com os russos, no caso, com quem aqui vive e trabalha. Até quando o Brasil vai conseguir fugir de olhar pra si mesmo, na parte mais promissora e cobiçada de sua existência, a Amazônia, e parar de propor saídas mirabolantes nas quais, felizmente, ninguém acredita.
A ponte dos suspiros
Iranduba é um município que começou a ser manchete depois que ganhou uma ponte bilionária que, para nascer, colocou a charrete na frente dos bois. Como a grana era curta, a ponte se limitou a transportar veículos interessados no lugar algum ao qual ela está ligada. Bem, anos depois, à parte explosiva especulação financeira das glenas, praticamente nada aconteceu. Por uma razão muito simples. Ninguém é genial sem explicar ao vizinho suas especificidades excepcionais. Fizeram a ponte e especularam os terrenos. Quem topa comprar a preços extorsivos glebas que não sugerem resultados no médio prazo da especulação? Pois é, assim foi compreendido o Projeto Dubai, um jeito mirabolante de atropelar a Constituição e tentar zerar os incentivos das vantagens em todo o território nacional. De acordo com o secretário da Sepec, onde está hospedada a Suframa, Carlos da Costa, o “plano Dubai” é a nova plataforma econômica para a Amazônia e uma referência ao emirado que, no passado, previu o fim de suas reservas de petróleo e gás, investiu em turismo de negócios e construção civil. Diante da escassez que viria, o emirado decidiu investir na criação de um polo turístico e financeiro capaz de fazer girar a economia. Hoje, o petróleo só representa 6% do PIB do emirado. O setor de construção e comércio já concentram quase 40% da geração de riqueza de Dubai.
Peixes inacreditáveis
Disse o titular da Sepec: “Descobri que a China produz mais peixes da região amazônica em cativeiro do que o Brasil, é inacreditável que não tenhamos uma indústria desse porte na região.” Agulhadas no poder local à parte, disse o secretário, “… o novo plano não levará, no momento, a qualquer alteração nas regras de incentivos vigentes à Zona Franca”. A secretaria, portanto, fará uma análise detalhada dos subsídios para estudar uma forma de implementar o plano sem que haja impacto fiscal ou prejuízo em indústrias que hoje atendem outras indústrias, como as “plantas de computadores e componentes”. Como viabilizar outras modulações econômicas com o confisco de 80% das verbas de P&D? Como trabalhar com o proibicionismo gritante que nos trava qualquer iniciativa? E uma das propostas é transformar o CBA (Centro de Biotecnologia da Amazônia) em um pivô de projetos dentro da Zona Franca que ajude empresas de biotecnologia a se instalarem na região para criar um grande polo produtor de fármacos e produtos cosméticos derivados da biodiversidade amazônica. Há quantos anos a União chama para si a ideia de inovar na região e é primeira em burocratizar?
Depende da Previdência (?) No início de julho, a Secretaria fará uma rodada de conversas com o empresariado local para testar a viabilidade de retorno de um projeto como esse. Segundo o secretário, a aprovação da reforma de Previdência poderá ajudar a destravar seu plano para a região porque, com a reforma da Previdência, o país voltará a atrair investimentos privados. A Previdência terá de mudar muito pois o destaque de Dubai como centro mundial de negócios contrasta com a situação de miséria e de violação de direitos humanos dos trabalhadores na construção civil – grande parte deles migrantes provenientes da Índia, Bangladesh, Paquistão, Afeganistão, Yemen, Sri Lanka, Etiópia, Filipinas, China ou Síria. Mal pagos e mal alojados, têm sido submetidos a formas de exploração comparáveis às vigentes durante a Revolução Industrial, sendo muitas vezes obrigados a trabalhar sob temperaturas que podem superar 50 °C. São frequentes os casos de suicídio entre os operários. Dubai progrediu muito economicamente nos últimos 10 anos, mas as condições dos trabalhadores são semelhantes às do século XIX. Voltaremos a conversar em abundância sobre essa escassez de conhecimentos locais.
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