Por Henrique Saunier / Revista PIM Amazônia Nr. 84 (mar.17)
Manaus possui a pior infraestrutura disponível para se empreender do País, de acordo com o Índice de Cidades Empreendedoras 2016 (ICE 2016), realizado pela Endeavor, que analisou 32 cidades brasileiras de 22 Estados. O estudo analisou as condições do transporte interurbano e de urbanização da capital amazonense, além de fluidez do trânsito, acesso à internet de alta velocidade e até dados públicos de violência. A complexa carga tributária, baixa qualificação e dificuldade de acesso a capital, somadas a crise econômica, completam o cenário nada positivo para quem desejou se aventurar no seu próprio negócio nos últimos anos.
No quesito “condições urbanas”, Manaus ficou entre as sete piores cidades; à frente de grandes capitais como Salvador, Belém e Rio de Janeiro. O fato de apenas 3,09% da população manauara ter acesso a internet rápida e a péssima fluidez do trânsito contribuíram para o resultado.
No índice geral, que computa todos os resultados alcançados em cada categoria analisada, Manaus amargou a 28ª posição, a frente apenas de Fortaleza (CE), São Luís (MA), Campo Grande (MS) e Maceió (AL). Para compor esse índice, além de Infraestrutura, foram levantados dados locais referentes ao ambiente regulatório, mercado, acesso a capital, inovação, capital humano e cultura empreendedora.
Na avaliação do instituto, devido a dificuldade em melhorar sua conectividade, é urgente que as cidades mais distantes dos grandes centros, como Manaus, criem condições internas melhores. “Além de estarem distantes dos grandes centros, são capitais com a violência descontrolada, um trânsito já pesado (mesmo com renda e tamanhos menores) e um alcance limitado de internet. Para avançar no futuro, precisam começar o trabalho já”, afirma o estudo.
O economista e empresário Denis Minev se mostrou preocupado com os índices alcançados, como o de fluidez das vias. Segundo Minev, o trânsito pode destruir a produtividade do trabalhador e da empresa, já que em uma cidade com trânsito bom, um vendedor pode visitar inúmeros clientes por dia, por exemplo.
“Infraestrutura em geral é um item crucial no desenvolvimento de um polo empreendedor. A internet rápida e de qualidade é mais um item de produtividade. O tempo perdido aguardando uma conexão lenta não é recuperável”, apontou Minev. De acordo com o empresário, é um caso semelhante ao trânsito. “Mas a mesma reflexão está ligada, por exemplo, a saneamento. Falta de saneamento faz com que as pessoas fiquem mais doentes e percam mais trabalho e, mais uma vez, a produtividade vai por água abaixo”, disse.
Ele destaca que a violência exige, ainda, que muito dinheiro seja gasto com atividades que não geram valor aos clientes. “Uma loja precisa gastar dinheiro com cofres, segurança e transporte de valores, quando poderia estar gastando com marketing, programas de fidelidade e lojas mais agradáveis. Isso é pura perda de produtividade econômica. E produtividade é o que gera riqueza em uma sociedade”, completou.
Para a secretária Municipal do Trabalho e Desenvolvimento Social (Semtrad), Ananda Carvalho, os custos com transporte, seja de deslocamento de funcionários e documentos onera as empresas e prejudica a operação de qualquer cidade. Ela defende que Manaus já iniciou sua preparação para ser uma “Cidade Inteligente”, o que contemplaria preparo tecnológico e investimentos em soluções de melhoria de trânsito.
“Quando o empreendedor quer, não há dificuldade que o faça desistir. Manaus tem 2 milhões de habitantes, potencial turístico e econômico e o empreendedor deve olhar para esse cenário como oportunidade. Tivemos muitos avanços, novos tipos de empreendimentos que vieram para a cidade e que antes só poderíamos acessar se viajássemos”, enfatizou Carvalho, que também é vice-presidente da Confederação Nacional de Jovens Empresários (Conaje).
Por meio de nota oficial, a Prefeitura de Manaus enfatizou não possuir influência no transporte intermunicipal, mas em relação ao trânsito, alegou que, nos últimos quatro anos, investiu em projetos de engenharia que resolveram problemas de fluidez de trânsito em várias áreas da cidade, citando como exemplo as obras no Complexo Viário Gilberto Mestrinho e Rotatória da Suframa. Além disso, a Prefeitura informou que o investimento na implantação de sinalização semafórica foi ampliado em mais de 23 % nos últimos quatro anos.
A nota aponta ainda que “em relação à infraestrutura urbana e mobilidade, nos últimos quatro anos a prefeitura investiu na abertura de novas vias, recuperação da malha viária dos principais corredores da cidade, construção de viaduto, entre outras medidas que garantam a trafegabilidade tanto do transporte público quanto dos veículos individuais”.
A Prefeitura informou ainda que “investiu também na iluminação dessas vias, aumentando a sensação de segurança para os usuários. Implantou medidas como recuos (baias) para ônibus e faixas segregadas para aumentar a velocidade do tráfego de ônibus e vai executar o BRT, além de estudar outros modais para atuarem de forma integrada, com vistas a impulsionar o uso do transporte público reduzindo o tráfego de veículos individuais’’.
Burocracia
A burocracia nas cidades brasileiras também foi alvo de análise no estudo, com Manaus na 20ª posição no índice ‘Ambiente Regulatório’. Neste item, a alíquota média do Imposto sobre Serviço (ISS) praticada, as obrigações acessórias dos municípios para pagamento do ISS, o número de atualizações tributárias municipais para ISS e Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e a facilidade para emissão de Certidões Negativas de Débito (CNDs) foram aspectos levantados.
Manaus chegou a obter bons resultados neste aspecto no que diz respeito ao tempo médio de abertura de empresas, de 66 dias, um dos menores do País. Por outro lado, o tempo para regularização de imóveis é de 171 dias, número acima da média nacional e um dos mais altos entre as cidades analisadas. A Prefeitura de Manaus prometeu mais ações para desburocratizar o licenciamento urbano em 2017 e vai apostar em um Sistema de Licenciamento Integrado Municipal (SLIM), atualmente em fase de estudos.
Além disso, Manaus ficou em 15º lugar no índice de custo de impostos e em 25º no quesito índice de tempo de processos, com uma boa colocação no ranking que analisa a complexidade tributária.
Regras tributárias não são claras
Mas para o advogado especialista em gestão de negócios e assessoria empresarial, Sérgio Vieira, as regras tributárias não são claras para o empresário brasileiro e, além do emaranhado de resoluções gerais, existem as peculiaridades inerentes ao modelo Zona Franca de Manaus. Na sua avaliação, a guerra fiscal entre os Estados bem como a subjetividade dos Fiscos Municipais, Estaduais e Federal ao interpretar textos normativos, são pontos que precisariam ser melhorados.
Para o especialista, a complexidade do sistema tributário impacta negativamente a operacionalidade da empresa na medida em que cria um ambiente de instabilidade e de incertezas. Isso acontece devido às inúmeras dúvidas relacionadas à aplicação do texto normativo. Segundo Vieira, quase nunca é possível transportar a disposição normativa diretamente para a prática das operações afetadas pelo texto legal. Para fazer acontecer é preciso então fazer um exercício de interpretação. “O problema é que o Fisco pode ter um entendimento diferente do contribuinte. E aí começa a confusão. Não temos parâmetros legais consistentes que confiram um razoável grau de segurança jurídica”, ressaltou ele.
O advogado critica a constante mudança de regras tributárias, que acabam trazendo “instabilidade e insegurança” para o empreendedor. “Esta instabilidade é extremamente mal vista exatamente pela insegurança que a acompanha e, por vezes, é a razão pela qual o investidor opta por não vir à Manaus”, completa. Segundo a pesquisa, Manaus teve um total de 41 atualizações tributárias municipais, acima da média nacional, em 2016.
Esta complexidade dos processos é um dos itens mais preocupantes, na opinião do economista e empresário Denis Minev, visto que Manaus possui o pior índice. Para ele, é preciso encontrar formas de simplificar e acelerar a vida do empreendedor, principalmente os pequenos, pois “há algumas boas iniciativas, mas ainda insuficientes para tornar Manaus o que ela pode ser como centro empreendedor”.
O gerente de gestão estratégica do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Amazonas (Sebrae-AM), Vicente Schettini, reforça que as muitas regras com suas superposições criam dificuldades, perda de tempo e aumentam os custos na gestão dos negócios, em especial aos pequenos empresários. “Ocorre que além da regra geral existem inúmeras outras obrigações acessórias e então cria-se um verdadeiro entrave para o crescimento e a sobrevivência dos negócios”, completou.
A adesão da Prefeitura de Manaus à Rede Nacional para a Simplificação do registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), em outubro de 2015, foi destacada pela administração municipal como uma das principais ações no que diz respeito ao ambiente regulatório.
De acordo com a Secretaria Municipal de Finanças, Tecnologia da Informação e Controle Interno (Semef), o Alvará Provisório passou a ser emitido em até 30 minutos em 80% dos casos de empreendedores que buscam a legalização de suas empresas, tempo que antes era de até 90 dias. Em 2016, a Semef informou que foram mais de 2,4 mil alvarás concedidos para empresas com atividades de baixo risco.
A Prefeitura promete levar essa maior desburocratização também as empresas de alto risco, que demandam maior minúcia nas licenças concedidas pelas secretarias. O Comitê de desburocratização que atua nesses casos, já possui ações em andamento para modernizar o processo de liberação de alvarás e de processos administrativos, como a simplificação do habite-se, implementação do ITBI online, desenvolvimento do ambiente de geo-colaboração, implementação do Sistema de Gestão Eletrônica de Documentos (Siged) e Modernização da Visa Manaus.
Desafios do mercado: capital financeiro e humano
Com o quinto maior PIB do Brasil, Manaus ficou na segunda posição entre as cidades com maior índice de clientes potenciais, atrás apenas de Brasília. Um dos poucos índices positivos alcançados pela capital, impulsionado principalmente pela força do Polo Industrial de Manaus, vem acompanhado de dois inimigos antigos de quem quer empreender no Amazonas: a dificuldade de acesso a capital financeiro e falta de mão de obra qualificada.
Manaus ficou em último lugar no índice que analisa o capital disponível via dívida e no índice de acesso a capital de risco pelos empreendedores. Segundo o levantamento, há uma baixa oferta de crédito pelos bancos comerciais (a proporção é de 1,86 vezes em relação ao PIB, com a média nacional em 7,12 vezes).
De acordo com o superintendente do Banco da Amazônia, Nélio Dias Gusmão, por Manaus possuir um polo industrial, existe uma concentração natural em poucas operações de crédito com valores mais elevados, mas que não acontecem rotineiramente, diferente de outras cidades onde há número mais robusto de operações com menor tíquete.
Para quem pensava em investir em um cenário de grande incertezas que foi 2016, a tendência natural foi retardar os investimentos para retomar em um momento mais favorável. Segundo o superintendente do banco, isso aconteceu muito, refletindo no número de propostas apresentadas.
Gusmão disse que houve um maior nível de exigência dos bancos também. Com um cenário mais complicado, se faz uma avaliação muito mais aprofundada para garantir que esse crédito retorne ao banco. É uma verificação mais abrangente do se que tinha antes. Naturalmente, quando se faz isso, o filtro acaba sendo mais estreito e o resultado é o nível menor de contratação (de crédito). “Isso foi necessário para garantir a perenidade das empresas e do crédito e a gente imagina que agora com o decorrer desse ano teremos uma retomada significativa no volume de operações contratadas e no total de crédito injetado na economia”, destacou o superintendente.
A secretária da Semtrad, Ananda Carvalho, lembra que a maior dificuldade em qualquer acesso a crédito é o cumprimento dos quesitos básicos exigidos pelo Banco Central na submissão do financiamento. Segundo a titular da pasta, o Brasil precisa desburocratizar esses requisitos que dificultam o acesso do empreendedor. “Por muitas vezes, há recursos, mas o empreendedor não tem uma garantia, ou um avalista, ou um histórico bancário que lhe permita acessar o valor necessário. Esse é um ponto que precisa ser desburocratizado nacionalmente. O segundo ponto é que, com a crise, a concessão do crédito ficou mais escassa, pela comprovada dificuldade do brasileiro em pagar suas dívidas e isso gera nos bancos o receio de conceder empréstimos”, ressaltou.
Na análise do consultor empresarial, o economista Roderick Castello Branco, o acesso ao capital de risco realmente é uma dificuldade para as empresas brasileiras, principalmente pelos elevados juros pagos pelos títulos do governo e que absorvem parte significativa da poupança nacional.
Castello Branco pontua que as pequenas empresas locais de alta tecnologia, que necessitam de investidor anjo (pessoas físicas ou jurídicas que investem em risco nessas empresas) têm dificuldade de acesso a esses recursos. Por outro lado, considerando a nossa região, vejo que os recursos estão disponíveis, além de serem abundantes e baratos. “Dentre as fontes de financiamento no mercado destaco o FNO, com ênfase no financiamento de investimentos fixos. Por ser oriundo de recolhimentos federais, o caminho a ser percorrido pelo empresário acaba sendo um pouco mais complexo que o dos bancos privados, porém essa dificuldade compensada pelos baixos juros e longos prazos de carência e amortização’’, sugeriu o economista.
No que diz respeito ao capital humano, os resultados de mão de obra básica colocam Manaus entre os cinco piores índices, com percentuais de adultos com ensino médio completo e de matriculados em ensino técnico ou profissionalizantes abaixo da média nacional.
O cenário piora quando o assunto é mão de obra qualificada, com Manaus na última posição. A capital amazonense possui um dos menores índices de adultos com ensino superior, além de um quadro ainda pior quanto aos formados em cursos superiores de alta qualidade, cujo percentual é de apenas 6,6% contra 21% de média nacional.
Segundo o advogado Sério Vieira, quem mais sofre com esse problema são os setores de comércio e serviços, cuja dificuldade em encontrar mão de obra qualificada, bem como o alto custo e a dificuldade na adaptação para o envio de profissionais de outros Estados, chega a inviabilizar alguns negócios. Apesar disso, os dirigentes de empresas manauaras estão entre os profissionais com os maiores salários, acima da média nacional.
Psicóloga por formação, Thais Tapajós não possuía experiência alguma em empreender, quando, após se tornar mãe, vislumbrou a possibilidade de instalar um modelo de negócios que ela conheceu no Rio de Janeiro. Três anos depois de adquirir a licença e de abrir a empresa Yupi – Casa de Brincar em Manaus, ela lembra que a dificuldade burocrática e infraestrutura da cidade foram fundamentais no processo de implantação do negócio.
Ela começou com um estudo de mercado inicial com 50 mães, que mostrou o interesse em um espaço com atividades em conjunto para crianças e os pais, diferente das creches ou colônia de férias tradicionais. No estudo, Thais levou em consideração o trânsito nas adjacências do empreendimento, além de contar com a ajuda de um contador e de familiares com experiência empreendedora.
“Senti muita dificuldade com a burocracia. As regras tributárias não são claras aos empreendedores e isso afeta diretamente meu negócio. Meus resultados que deveriam ser mais rápidos, minha receita, tudo acaba levando mais tempo e afeta diretamente a parte financeira. Não encontrei pessoas dentro do perfil que necessitava, então também tive que formar essas pessoas dentro da empresa, o que levou mais tempo do processo”, recordou a empreendedora.
Mesmo com todas os desafios enfrentados, Thais Tapajós já planeja transformar o modelo de negócios em franquia, com o desejo de que mais políticas públicas para facilitar a vida do empreendedor fossem implantadas, pois, segundo a empresária, “a burocracia nos atrasa e afeta diretamente a empresa como um todo”.