“O carnaval do Rio é um cortejo, o Festival de Parintins é um teatro a céu aberto”

Entrevista com Rossy Amoedo, presidente do Caprichoso
Rossy Amoedo, presidente do Caprichoso

COMO COMEÇOU A RELAÇÃO DO ROSSY COM O BOI BUMBÁ? ELE SEMPRE FOI CAPRICHOSO?

Sempre caprichoso, mas a minha relação com o Caprichoso começou já trabalhando. Na verdade, eu fazia parte de um grupo de jovens adolescentes que frequentava o fundo do quintal da Diocese de Parintins, aonde um missionário da Igreja Católica ensinava as crianças a modelarem argila, a pintar a estatuetazinhas. Eu devia ter uns onze ou doze anos. Era uma criança.

E ali eu comecei a desenvolver um pouco o dom da arte. Eu nunca imaginava que aquilo seria o meu futuro, olhava mais como um aprendizado, um passatempo de criança. E apareceu um dia a oportunidade de estar no galpão do Caprichoso, um galpão antigo que tinha onde é o antigo curral, aonde as técnicas alegóricas ainda estavam sendo um pouco maturadas, ainda era tudo um pouco novo.

Hoje a gente trabalha muito com o ferro. Antigamente era muito com madeiras, as bases, as estruturas, era tudo de madeira com parafuso. O ferro estava sendo introduzido dentro da questão. O isopor, que hoje se corta com uma resistência, antigamente era um serrote de cabo com uma pessoa de um lado e outra do outro. Naquela época, começaram a introduzir a escultura de ferro e a ampliação das alegorias (eram muito modulares). Então essa evolução alegórica faz parte da minha vida.

Eu cheguei a me afastar por um tempo, depois voltei para o boi de novo. Fui parar no Rio de Janeiro em 1998, depois voltei para cá, depois voltei para Beija-Flor onde fiz um trabalho, e aí eu voltei a fazer as alegorias para o Caprichoso, me tornei um alegorista. E o nosso trabalho do Rio continuou. Fazia o Carnaval, cenografia para teatro, exposições, festas. E foi criando network com as pessoas que trabalhavam com cenografia, onde tive a felicidade de conhecer a Rosa Magalhães. Em 2007 nós trabalhamos juntos fazendo a cerimônia de abertura dos Jogos Panamericanos, e fizemos algumas cenografias para ela naquela época e a coisa foi evoluindo.

O Panamericano projetou a gente e ao longo desses anos, continuamos fazendo carnaval com sucesso, tivemos alguns títulos. Chegamos em 2016 nas Olimpíadas, com Andrucha, Fernando Meirelles e Daniela Thomas. Aí fizemos alguns trabalhos muito bacanas com eles e colocamos o Festival de Parintins no olho do furacão. Só que são histórias que vão percorrendo em paralelo, Rio, Parintins, eu continuava alegorista aqui, continuava alegorista no carnaval, continuava fazendo os trabalhos externos. Então a coisa não parou, foi sempre muito dinâmico. E aquele garoto que começa um dia lá atrás, hoje está como artista, presidente do Caprichoso, devolvendo tudo aquilo que nessa trajetória de vida o boi deu a ele.

EM QUE PONTO QUE O FESTIVAL VIROU ESSE ESPETÁCULO QUE ELE É HOJE? EXISTE ALGUM MARCO TEMPORAL OU ALGUM ACONTECIMENTO? EM QUE ANO O FESTIVAL DEIXOU DE SER O QUE ERA PARA VIRAR O QUE É HOJE?

Na década de 1990, o Caprichoso ousou muito na questão alegórica, na questão temática das coisas. E o Caprichoso deu uma virada muito bacana na chave em termos de espetáculo. E sempre ditando a regra alegórica, conceito, acabamento, textura, contratava os melhores profissionais. Naquela década de 1990, o Caprichoso puxou o festival para cima.

De alguma forma no meio desse caminho foi se moldando serralheiros, escultores, pintores, sonhadores, e essa mistura foi vendo a possibilidade de um horizonte na construção do que o festival pedia. O carnaval do Rio é um cortejo, o Festival de Parintins é um teatro a céu aberto. Então você precisava criar elementos, que esses elementos se transformassem, mudassem, se movimentasse, se mexessem. Tudo numa escala hiper mega grande dimensionado. E aquilo foi fazendo com que o festival a cada ano evoluísse.

Por exemplo, esse ano vamos fazer uma cobra de dez metros. O ano que vem vamos fazer uma de quinze metros? E assim a coisa foi evoluindo. Dinossauros, criaturas encantadas, seres, viagens, tudo isso foi possibilitando o crescimento do festival. Ao longo desses anos, eu até as vezes fico um pouco chateado quando as pessoas falam sobre manter a essência do festival, manter a raiz, manter a tradição. É um discurso um tanto falho para o festival que ficava numa arena cheia de tribos e tuxauas, e hoje é um mega espetáculo que cresceu e evoluiu muito. E quando você fala de manter essa base, você esquece essa trajetória que o festival instituiu para chegar até onde chegou hoje.

A história [do festival] foi muito evolutiva, não tinha uma identidade, era uma roda de brincadeira. Então aparecia alguém que imitava um chapéu do desfile de moda de algum lugar, colocava aquela roupa e ia brincar de boi como se fosse uma brincadeira de roda. Aí a coisa começou a se organizar quando a catedral [da padroeira de Parintins] estava em construção, e um padre naquela época teve a inspiração de organizar os dois grupos, começar a preparar o local para eles se apresentarem, e arrecadar o dinheiro para ajudar a construir a catedral. É por isso que em Parintins se junta o boi e o sagrado.

A Nossa Senhora sempre está presente por causa dessa relação de quanto o boi ajudou a construção da catedral da padroeira de Parintins e a padroeira de Parintins se tornou um símbolo para os dois bois. São lugares que a Igreja Católica nunca contestou a participação de uma imagem sacra no boi, porque ela entende isso muito claro, que é uma festa muito pura, sem agredir, sem ofender e sempre exaltando, sempre mexendo no brio da religião, da fé, da forma como eles gostam dentro da sua igreja, com respeito.

QUAL A IMPORTÂNCIA DO FESTIVAL PARA A CIDADE DE PARINTINS E PARA A POPULAÇÃO QUE MORA AQUI?

Parintins é uma cidade que é uma ilha, a 360 quilômetros de Manaus, onde não tem uma estrada que ligue Parintins com nada, e a única estrada que tem aqui são os rios. Aí, do nada, uma festa começa a surgir e essa festa começa a crescer, ganhar notoriedade faz com que a cidade comece a crescer também, aumentar a população. Parintins hoje, depois da capital, é o primeiro município com maior número de habitantes. Nem Manacapuru e Itacoatiara que são ligadas por estrada são maiores que Parintins.

A gente deve disso muito ao festival. E essa coisa do festival romper barreiras, estar nas Olimpíadas, no olho do furacão, na maior audiência mundial naquele momento. São coisas que, do nada, Parintins está lá. É só Rio de Janeiro, Rio de Janeiro e aí aparece Parintins. Então tem uma coisa mágica no meio de tudo isso. Mas o mais importante de tudo, economicamente falando, é que 50% da economia hoje de Parintins, ela gira em torno do Festival. Então, ano passado teve 120 mil visitantes em Parintins. Vamos imaginar que cada visitante desses deixou R$ 2 mil na ilha. Então é um ticket médio de R$ 200 milhões, quase R$ 300 milhões que gira na economia. Isso falando só nos cinco dias de festival. Mas o festival acontece meses antes. É uma mola propulsora muito forte.

Culturalmente para o Amazonas, um estado de mais de 4 milhões de habitantes, que tem como bandeira da cultura, o boi bumbá. E para além dessa identidade cultural de Parintins que pulsa e vibra no Amazonas inteiro, todo lugar tem um torcedor [do boi]. Aqui em Parintins, economicamente falando, ele é o eixo dessa economia que muitas e muitas pessoas são agraciadas direta e indiretamente. Você investe R$ 1 em cultura, você tem R$ 10 de retorno para a população, para a sociedade. Então Parintins hoje é muito abençoada, agraciada por ter o boi bumbá como sua bandeira cultural e também hoje uma das pilastras econômicas do município.

A CULTURA PODE INCLUSIVE TER DESENVOLVIDO O NÍVEL EDUCACIONAL AQUI? DIGO ISSO PELA QUANTIDADE DE UNIVERSIDADES QUE EXISTEM HOJE EM PARINTINS. TIRANDO MANAUS, NENHUM OUTRO MUNICÍPIO DO AMAZONAS TEM ESSA OFERTA DE CURSOS.

Eu digo que Parintins é meio invocada. Os maiores índice de aprovação nas universidades, claro, sem comparar com o capital, mais em termos de interior, o ensino é melhor e rende muito mais a questão educacional, então, sem dúvida nenhuma estar em Parintins gera resultados. Então esse é um resultado que começa aqui dentro dos galpões, dos QGs, do pensar do boi, da origem daquelas pessoas humildes que lá trás, carregaram esse boi nas suas casas, nos seus quintais, faziam quermesses. Eram histórias duras. Tem muito amor, tem muito sangue, suor para essa narrativa dessa história chegar até hoje.

Foram pessoas que eu tenho certeza que muitas vezes deixavam de colocar comida em casa para comprar algo, para fazer um boi com aquela brincadeira legal. Os CIDs, os Pereiras, os Gonzagas, todas as famílias que estiveram à frente dos bois.

O QUE O FESTIVAL DE PARINTINS GANHOU COM A PARTICIPAÇÃO DA CUNHÃ ISABELE NOGUEIRA NO PROGRAMA BBB?

Foi um momento incrível. A Isabelle na casa, defendeu muito a cultura, a raiz local, mesmo ela tendo a bandeira vermelha na mão, de vez em quando ela cantava uma toada do Caprichoso, ela contava a história dos dois bois, como a coisa era. Então muita gente acompanhou Isabele nesse Brasil e despertou a curiosidade. O exemplo é que existe uma Parintins que poucas pessoas conhecem, e a Parintins que algumas pessoas começaram a conhecer. Índices de engajamento e rede social, e pesquisa de nomes no Google como Parintins, Cunhã e não sei mais o quê.

Então essas coisas demonstraram uma importância muito grande. Ela fez um trabalho muito bonito, impactou diretamente sim na realidade do município do Amazonas. Ela acabou ganhando um título de embaixadora do festival por causa disso. Então, merecidamente, ela participou, ajudou e ela plantou uma semente. E quem vai colher os frutos dessa semente que ela plantou é a população, são as agremiações, o Caprichoso e o boi contrário.

Então é uma série de coisas em cadeia que vai fazer com que o festival cresça ainda mais. Isso acabou de uma certa forma despertando o olhar e a curiosidade. É uma grande certeza que muitas pessoas queriam estar aqui em Parintins para ver festival esse ano, mas o Bumbódromo já está pequeno, e existe um projeto para construir uma nova arena.

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