Por Ana Danin, PIM Amazônia
Em um ano marcado por eventos climáticos extremos em vários países (ver lista ao final do texto), a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, mais conhecida como COP, chega a sua 28ª edição cercada de expectativas, com as atenções do mundo voltadas para os compromissos que serão assumidos pelos chefes de estado reunidos em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, no período de 30 de novembro a 12 de dezembro.
Para o Brasil, a expectativa é ainda maior, já que desde o anúncio da COP 30 na Amazônia, em 2025, a capital do Pará, Belém, que sediará o evento, foi tomada por uma série de iniciativas e debates focados no combate às mudanças climáticas e na preservação do meio ambiente, com destaque para a Cúpula da Amazônia, em agosto passado, onde os chefes de estado e representantes de países tanto da região amazônica, quanto convidados, divulgaram uma carta conjunta dos Países Florestais em Desenvolvimento, com compromissos assumidos em conjunto, que já faziam menção à COP 28.
A Conferência deste ano ocorre ainda em um momento em que o mundo acompanha duas guerras sem previsão de término (Rússia x Ucrânia e Israel x Hamas) e uma série de mudanças políticas, além das críticas à atuação do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas na resolução dos conflitos existentes.
Mas, até que ponto este cenário climático e geopolítico impactará nos debates e resoluções da COP 28? Para Mário Tito Almeida, economista, filósofo, teólogo, doutor em Relações Internacionais e professor do curso de Relações Internacionais da Universidade da Amazônia (Unama), não há como separar o cenário geopolítico dos debates que serão realizados na Conferência, que é o maior evento mundial sobre o clima.
“A gente, às vezes, pensa que a COP vai ser uma grande manifestação popular, no nível do Fórum Social Mundial, quando, na verdade, a COP, em si, reúne chefes de estado e tem a propensão, o ponto de vista do Estado. Eu diria, inclusive, que, por ser uma reunião de chefias de estado, traz consigo as idiossincrasias do próprio sistema internacional contemporâneo. Então, nós temos posicionamentos que dependem muito do jogo de forças internas”, explica.
O professor ressalta os recentes resultados de eleições na Argentina, com a vitória do candidato ultraliberal Javier Milei, e na Holanda, onde o vencedor foi líder de extrema direita e anti-União Europeia Geert Wilders, que devem influenciar bastante nos rumos que os acordos feitos na COP 28 terão em seus países, nos anos posteriores.
“Vamos pegar a Argentina, para ser mais fácil de compreender. Uma coisa foi a Argentina se posicionando na COP 27, na COP 26, na COP 25, porque o presidente era o (Alberto) Fernández. Outra coisa será a Argentina agora, na COP 28, já com essas mudanças, mas especialmente na COP 29 e na COP 30, com a presidência do Javier Milei. Então, só o fato de haver uma mudança de rota na política interna, isso vai ensejar uma mudança de rota na política externa”, explica. “Nós estamos voltando, em alguns países, a uma tendência de extrema-direita e, portanto, junto com ela, a toda uma discussão de negacionismo das questões ambientais”, reforça.
Cumprimento do Acordo de Paris estará no centro dos debates
Em pronunciamento à imprensa nacional e internacional realizado em 20 de novembro, o governo brasileiro destacou que irá cobrar, durante a COP 28, um balanço do que foi, de fato, executado em relação ao Acordo de Paris, assinado por 196 países, incluindo o Brasil, na COP de 2015. Em linhas gerais, o Acordo estabelecia uma série de ações que deveriam ser seguidas pelos países signatários para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, em substituição ao Protocolo de Kyoto, assinado em 1997, no Japão.
Dentre as metas do acordo estava a de atuar para que o aumento da temperatura global ficasse abaixo dos 2°C, em relação à média pré-industrial, porém, tendo como foco limitar o aumento da temperatura até 1,5 °C. Outro ponto que estava no acordo e que o presidente Lula cobrou dos países desenvolvidos antes mesmo de assumir o atual mandato, ainda na COP 27, em novembro de 2022, foi o do financiamento de US$ 100 bilhões anuais a ser feito pelos países desenvolvidos para os subdesenvolvidos.
“O objetivo principal dessa COP é aprovar o que é conhecido como o Balanço Global do Acordo de Paris. Temos que ter um texto que mostre o que foi feito e o que falta, no contexto dos primeiros oito anos do Acordo. A principal expectativa da COP 29 é definir novo patamar para financiar a ação climática e, depois disso, na COP 30, o esperado é que os países apresentem suas novas NDCs (sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada, que representa o compromisso de cada país com o acordo)”, destacou o secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, embaixador André Corrêa do Lago.
Porém, o professor Mário Tito alerta que, nos últimos tempos, cada vez mais países vêm deixando de respeitar as regras do direito internacional, o que faz com que tratados como o Acordo de Paris sejam intensamente discutidos, mas não efetivamente executados.
“Existe um princípio do direito internacional chamado pacta sunt servanda, ou seja, os acordos devem ser cumpridos. (…) O problema é que nós vivemos uma era, especialmente nos últimos anos, de total desrespeito ao direito internacional, basta ver o que está acontecendo no conflito Israel-Palestina, onde os ataques de Israel estão violando todos os acordos internacionais de direito humanitário desde 1648, com tratado de paz de Westphalia (que colocou fim à Guerra dos 30 anos, na Europa)”, destaca. “Então, veja, esse exemplo de Israel, ele pode ser repercutido para todos os outros tratados, ou seja, eu assino, mas eu não me comprometo. Então, nós estamos tratando o problema do Acordo de Paris, que é um tratado onde, simplesmente, há um comprometimento, mas não há uma execução”, completa.
O professor Mário Tito também pontua o enfraquecimento da ONU que, segundo ele, tem ligação direta com este momento em que não se respeitam mais os acordos firmados pelas nações. “A ONU está sendo colocada em dúvida profundamente exatamente porque o que sustenta a ONU é a ideia de que os Estados irão cumprir aquilo que a ONU definir, e hoje o que nós menos vemos é exatamente isso”, conclui.
Brasil ainda não está pronto para “liderar pelo exemplo”
A delegação brasileira na COP28 será liderada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que embarcou na segunda-feira, 27, com paradas estratégicas na Árábia Saudita e Catar, e tendo como destino final Dubai, na primeira viagem internacional desde as cirurgias as quais foi submetido este ano. Além dele, várias ministras e ministros, representantes de governos estaduais, do setor privado, academia, organizações não governamentais e sociedade civil, devem participar do evento.
O governo brasileiro chegará a Dubai disposto a “liderar pelo exemplo”, ostentando os números de redução do desmatamento na Amazônia, que caiu 40% desde janeiro, e o fato de ter uma matriz energética com 48% de fontes renováveis.
A ideia da comitiva brasileira é buscar construir, já no evento deste ano, os caminhos que levarão ao sucesso da COP 30, em 2025.
“Já conseguimos uma redução de 250 milhões de toneladas de gás carbônico nesses 10 meses de governo com a redução do desmatamento, mas não queremos nos conformar com os resultados já alcançados. Nosso compromisso é de desmatamento zero, nosso compromisso é de proteção do Cerrado, da Mata Atlântica, da Caatinga, do Pantanal, do Pampa e de todos os biomas brasileiros, com olhar para os oceanos”, disse a ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva.
No entanto, segundo o relatório Política Climática por Inteiro, feito pelo Instituto Talanoa, uma organização civil independente, com sede no Rio de Janeiro, o Brasil ainda não está preparado para enfrentar as mudanças climáticas.
O levantamento destaca que, apesar dos avanços realizados em 2023, “o país enfrenta desafios imensos em áreas como transição energética e agricultura”.
“O desmatamento é um defeito nacional e precisamos acabar com ele, para o nosso bem, mas isso não resolve. A gente precisa de uma indústria de baixo carbono, resolver a questão da transição energética e da agricultura, que hoje é o segundo maior setor emissor”, disse a presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, em entrevista à Agência Brasil.
“O que a gente está vendo ainda são muitas intenções. Não temos instrumentos, por exemplo, quando pegamos uma área muito importante de política pública, que é a habitação social, eficiência energética, painéis solares, tudo isso é bacana e muito positivo, mas não resolve. Precisamos de uma inclusão social, que por exemplo, leve em conta que estamos vivendo ondas de calor e enfrente de fato o problema climático” observou Natalie.
Ainda de acordo com a Agência Brasil, o relatório foi entregue aos ministros da Fazenda, Fernando Haddad; de Minas e Energia, Alexandre Silveira; e do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e também será compartilhado com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, e com parlamentares da Câmara e do Senado Federal, segundo os especialistas.
“Ainda temos uma mentalidade de que floresta é coletivo de árvores”
O economista, filósofo e doutor em Relações Internacionais, professor Mário Tito, também ressalta limitações que tornam-se barreiras para avançar no cumprimento dos compromissos ambientais. Como exemplo, ele volta às questões que desafiam as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris, fazendo uma reflexão sobre o conceito de floresta geralmente propagado.
“Eu acredito que o grande problema do Acordo de Paris – e isso eu acho que pode rebater na COP 28, 29 e 30-, é que nós ainda temos uma mentalidade de que floresta é coletivo de árvores. É uma visão altamente redutora da coisa porque enquanto eu entendo floresta como coletivo de árvores, eu estou apenas pensando do ponto de vista do recorte da realidade, porque, se eu passo a entender floresta como um coletivo de seres vivos, no ecossistema integrado, eu tenho que pensar em um acordo que vai atender também todas as outras consequências culturais, educacionais, de existência mesmo, de ser, de estar no mundo, a partir dessa questão de desmatamento”, pontua.
Pará quer apresentar alternativas para frear mudanças climáticas na COP 28
Antes da comitiva do Pará embarcar para a COP 28, a vice-governadora e coordenadora do Comitê da COP 30, Hana Ghassan, e o secretário de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Mauro O’de Almeida, reuniram os jornalistas, em 23 de novembro, para informar a atuação da comitiva no evento em Dubai.
Eles destacaram que, durante a COP deste ano, o Governo do Pará pretende apresentar dez alternativas com foco no combate às mudanças climáticas e na redução das emissões de gases poluentes.
“Vamos fazer algo em torno de dez entregas entre Projetos de Lei, decretos e planos de ação. O mais importante é o plano estatal de restauração florestal, porque ele se junta ao plano de bioeconomia e se completam em uma estrutura de combate ao desmatamento e diminuição das emissões de gases do efeito estufa por conta das queimadas”, adiantou o secretário Mauro O’de Almeida.
O estado chegará ao evento como o futuro anfitrião de uma COP e buscará reforçar as mensagens já repassadas nas Conferências anteriores, com foco no combate ao desmatamento e queimadas, avanços na recuperação da cobertura florestal e transição econômica, além de oportunidades socioeconômicas para sociedade por meio da bioeconomia.
Estado destaca investimentos na infraestrutura de Belém para a COP 30
A vice-governadora do Pará e coordenadora do Comitê da COP 30, em Belém, Hana Ghassan, ressaltou que a comitiva do executivo estadual embarcará para a COP 28 já tendo um canal aberto de comunicação com os organizadores do evento.
“Temos um planejamento estratégico implementado no Estado desde o primeiro dia que soubemos que seríamos sede da COP 30. Esse planejamento faz um estudo das COPs anteriores e de toda a logística necessária. Temos um grupo de trabalho que, por meio de uma cooperação firmada com os organizadores da COP de Dubai, está indo para [COP 28] acompanhar toda a parte de organização”, informou Hana Ghassan.
“Nós já temos um planejamento de tudo que é necessário para recebermos os nossos visitantes e estamos concretizando esse planejamento com um conjunto de ações”, afirmou Hanna Ghassan.
Em outubro passado, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Governo do Pará anunciaram um plano de investimentos para a COP 30, em Belém, que envolve cerca de R$ 3,2 bilhões em crédito, recursos voltados para investimentos que tenham como premissa resultados duradouros, estruturantes, que fiquem como um legado para a capital paraense.
Segundo informações da Agência BNDES de Notícias, serão investimentos em infraestrutura, com destaque para obras com foco nas áreas de saneamento, drenagem, abastecimento de água, mobilidade urbana, novas vias, parques turísticos, além de investimentos na melhoria da malha viária e do transporte coletivo, distribuição de energia elétrica, conectividade e ampliação da rede de turismo e lazer da cidade, entre outros temas.
A previsão é de que a assinatura dos contratos ocorra até o final do ano, em cerimônia em local ainda não informado, mas que contará com a presença do presidente Lula.
Além dessa parceria, outras iniciativas, como o Fundo Amazônia e o Fundo Clima, também poderão contribuir para o investimento em ações que beneficiem diretamente a população local.
População precisa ter voz na tomada de decisões que impactem na sua realidade
Um dos pontos ressaltados pelo economista, filósofo e doutor em Relações Internacionais, professor Mário Tito, é a importância da sociedade civil se fazer presente em eventos como a COP, ainda que, no caso da COP, as manifestações e programações ocorram em um pavilhão paralelo ao de onde ocorrem os debates fechados envolvendo os chefes de estado.
“Há um espaço de fala, mas esses espaços de fala precisam também ser criados. Então, há uma necessidade das organizações sociais, organizações do chamado terceiro setor, mas, mais do que isso, dos movimentos populares entenderem que existem várias formas de participar. Uma é pressionando esses presidentes e chefes de Estado, mas é um espaço muito restrito de atuação. A outra é você criando espaços de discussão que vão ser constituídos a partir das reflexões da multidão que vai estar na COP 28, na COP 29 e na COP 30 aqui em Belém”, destaca.
Tito também ressalta a necessidade de se abrir espaços para ouvir a academia nesses fóruns de discussão que acontecem seja no evento em Dubai, seja nos preparativos para a COP 30, em Belém.
“A gente precisa dar voz para os pesquisadores que estão pensando em uma COP que venha a fazer diferença. A gente tem que começar a pensar, eu acho que essa é a questão, de uma ideia de universidade para uma universidade de ideias. Ou seja, começar a pensar que esses pesquisadores estão fazendo um trabalho muito legal de inclusão de saberes, é a ciência que se vale dos saberes – eu acho que essa é uma ideia que precisa ser destacada”, afirma. “Eu acho que, nesse momento, a Universidade, pensada a partir dessa união transversal entre ciência e saberes da região, ela pode dar uma contribuição tremenda. Isso vai além da COP”, finaliza.