Reciclar é ressignificar o amanhã, esse é o DNA da Amera

Empresa amazonense tem como principal objetivo dar um novo propósito através da reciclagem de material que seria descartado no meio ambiente

“Reciclar é ressignificar o amanhã, esse é o DNA da Amera”, orgulha-se a CEO da Amera, Sueli Cossuol. Transformar e dar um novo propósito comercial ao que seria descartado, é um dos principais objetivos da empresa com foco em reciclagem localizada no Distrito Industrial, Zona Sul da capital amazonense.

A Amera nasceu em 2023 e em pouco mais de um ano já se consolida no mercado como a única que retira pneus do meio ambiente e os transforma, por meio de um processo de logística reversa, em novos produtos como por exemplo halteres para academias, além de pisos emborrachados para espaços esportivos e playgrounds. A empresa ainda se destaca por realizar todo o seu processo sem gerar resíduos.

Por dia, são aproximadamente 6 mil unidades de pneus que passam pela transformação, a fim de receber um novo destino. Sueli Cossuol indica que a ideia surgiu após identificar o acúmulo desenfreado de pneus na região, devido ao descarte incorreto do material.

“Nós vimos uma oportunidade de negócio, a partir do momento em que não existia uma empresa que fizesse o descarte correto dos pneus. E o pneu é um problema, pois a legislação não permite que ele seja descartado em aterros. Então você imagina, se ele não pode ser jogado no aterro onde que vai ficar? Vai ficar no meio ambiente.”, explicou Sueli.

Por dia, são aproximadamente 6 mil unidades de pneus que passam pelo processo

De acordo com a Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná (Fetranspar), no Brasil, pelo menos 450 mil toneladas de pneus são descartadas por ano. Isso equivale a cerca de 90 milhões de unidades utilizadas em carros de passeio. Além disso, o tempo médio de decomposição desse material se estima em 600 anos.

A problemática vai além. Um estudo de 2017 feito por Pieter Jan Kole na The Open University of The Netherlands, publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health, indica que os pneus são responsáveis por até 10% do total de resíduos microplásticos nos oceanos do mundo. Um relatório de 2017 da  União Internacional pela Conservação da Natureza registra esse número em 28%.

Eles também são compostos por materiais altamente inflamáveis e, quando descartados incorretamente, podem aumentar o risco de incêndios. Incêndios esses que podem liberar fumaça tóxica, prejudicando não só o meio ambiente, mas também a saúde humana.  

No Brasil, pelo menos 450 mil toneladas de pneus são descartadas por ano.

E os obstáculos não são só esses, pneus descartados de maneira inadequada podem acumular água da chuva, criando ambientes ideais para a proliferação de mosquitos, incluindo espécies que transmitem doenças como dengue, zika e chikungunya. Em fevereiro de 2024, o Ministério da Saúde divulgou uma projeção de que o Brasil poderia chegar a 4,2 milhões de casos de dengue só esse ano, parte dessa problemática se dá devido ao descarte indevido do lixo. Na época, a secretária de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Ethel Maciel, afirmou que a pasta se prepara para o pior cenário.

Apesar da problemática, para Sueli não bastava investir apenas em reciclagem. Dessa forma, a Amera tem como base a logística reversa, que consiste no processo de planejamento, implementação e controle do fluxo de produtos, materiais e informações desde o ponto de consumo de volta ao ponto de origem. Este processo pode incluir, sim, a reciclagem, remanufatura, reuso ou descarte apropriado dos produtos. A logística reversa visa a recuperação de valor e a gestão sustentável dos resíduos.

“A gente precisa enxergar além, em outras possibilidades e em o que ninguém identificou ainda, então eu falei: Eu não acho legal nós fazermos uma empresa que só recicla a gente precisa ter um diferencial”, esclarece a CEO. 

Na prática a Amera coleta os pneus descartados e faz a retirada do aço presente nos produtos. Após este procedimento, os pneus são encaminhados para a trituração, e depois são transformados em pisos e materiais feitos da borracha reciclada.

“Então, qual é o nosso diferencial? Retiramos esses pneus, os tratamos e ele volta para o mercado como um novo produto.
Sueli Cossuol, CEO da Amera

“Ninguém vai comprar um produto só porque ele veio da Amazônia ou porque são pneus que foram retirados do meio ambiente, o que vai me manter no mercado e o que vai fidelizar meu cliente é o produto que eu estou oferecendo para ele, é a excelência do meu produto. Então, qual é o nosso diferencial? Retiramos esses pneus, os tratamos e ele volta para o mercado como um novo produto. Além disso, nós não geramos nenhum resíduo no nosso processo, somos a primeira indústria no Brasil a fazermos esse processo de forma linear. Não tem nem como ter competitividade, porque o que eu faço ninguém faz”, declara Sueli.

A profissional explica que para se triturar um pneu, em que todo o corpo é composto por aço, é preciso retirar o talão da bandana e usar uma máquina específica para isso. Então, para se ter ideia, 30% do peso de um pneu é aço, que também é triturado e reaproveitado. Ainda assim, para cada área de destinação, é preciso um conhecimento diferente para a formação do produto final, que vai da espessura do material até o tamanho dos grãos que os compõem. Sueli afirma acompanhar todo esse processo de perto, sendo essa uma das suas grandes vantagens. 

“Se eu tô vendendo um piso para uma área de CrossFit, que é onde as pessoas têm muito atrito, eu preciso de um piso diferente do de academia, por exemplo, porque a academia todo mundo vai de tênis e o seu maior contato, na verdade, é com aparelho ou com os halteres”, esclarece. 

Ressocialização é um dos pilares diferenciais da empresa 

Para Sueli, a Amera não transforma apenas pneus descartados, ela também assume a responsabilidade de dar novo sentido à vida de pessoas. Também formada em Serviço Social, Sueli traz consigo um viés com ênfase no bem-estar humano desde bem antes de entrar no âmbito empresarial. Para ela não há sentido em gerar impacto ambiental, sem com isso agregar valor à vida. 

Foi com esse ideal que a empresária fez uma parceria com a Secretária de Estado de Administração Penitenciária (Seap) e, por meio dela, emprega pessoas em privação de liberdade. Em uma breve analogia, assim como feito com os materiais reciclados, é oferecido a elas uma nova chance de recomeçar. 

Sueli compartilha que para ela trabalhar e obter a própria renda é também uma maneira de se sentir digno.

A Amera também emprega pessoas em privação de liberdade, oferecendo a elas uma nova chance de recomeçar.

“Hoje o ESG se tornou um termo ‘hypado’ (em alta). Todo mundo quer falar que é ESG, mas a maioria das empresas não são ESG na sua essência. Uma das raízes do ESG é essa conscientização, e eu acho que a conscientização vem junto da humanização. É importante entender o que você consegue fazer além de só retirar o produto. Mas e as pessoas que estão nesse contexto?”, indaga Sueli.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), a população carcerária atual no país é a maior já registrada pelos sistemas oficiais. Ao todo são 832.295 pessoas em situação de cárcere, sendo 442.033 pessoas negras (68,2%) e 43,1% jovens de até 29 anos. Vale destacar que o sistema opera com quase 50% além do que ele em si mesmo consegue suprir, tendo 1,4 presos por vaga disponível.

Além disso, de acordo com o Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça, 42,5% dos presos acabam voltando para os presídios.

Os problemas relacionados aos desafios da ressocialização de apenados no Brasil, vão além da reincidência penal, incluem também o desemprego e a informalidade. As dificuldades no convívio diário devido ao preconceito em relação aos crimes cometidos no passado, faz com que se torne ainda mais complexa a dinâmica de reinserir essas pessoas na sociedade, que passam a serem vistas nem mesmo como cidadãos. 

No processo da laborterapia, o Maranhão continua no ranking de unidade da federação que mais presos realizam atividades laborais, passando de 58,1% para 64,8%. 

No Brasil como um todo, a maior parte das pessoas estão em trabalhos para apoio ao próprio estabelecimento prisional (48%), seguida de trabalhos em parceria com a iniciativa privada (19,8%), obtida por meios próprios e/ou sem intervenção do sistema prisional (19,3%). Por fim, 11,8% das vagas de laborterapia estão em parceria com órgãos públicos. Em relação a remuneração mensal, a grande maioria das pessoas não recebem nenhum tipo de remuneração (59.529 das pessoas privadas de liberdade). 

Sueli ainda afirma que não há valor para o sentimento que é oferecer novas oportunidades.

Amera deseja dobrar a produção até o próximo ano

Apesar de pouco tempo em atividade, a empresa está em crescimento. Segundo a executiva, a ideia é dobrar a produção nos próximos meses.

“Hoje a nossa capacidade é de triturar 3.000 pneus por turno. A gente pretende até o ano que vem dobrar nossa capacidade produtiva, não só na trituração, mas também no produto final”, explica Sueli.

A fábrica localizada no Distrito Industrial de Manaus se divide em dois principais espaços, um concentrado no processo de trituração do pneu e outro direcionado em transformar os grânulos de borracha em novos produtos. Ao redor da fábrica parte dos pneus ficam depositados até o início da produção, e a ideia é expandir a estrutura local para também evitar esse acúmulo de material, uma vez que a demanda é alta. 

“São dois processos produtivos, um alimenta o outro, então a gente almeja uma estrutura onde a gente consiga absorver também todo esse volume de pneus. Até porque o nosso objetivo é também diminuirmos essa proliferação de doenças que é ocasionado pelo descarte incorreto”, conclui

Dia “d” em Manaus recolhe 52 mil pneus

A Prefeitura de Manaus, por meio da Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp), realizou uma operação de recolhimento de pneus no último mês de março. A iniciativa, chamada “Dia D”, resultou na retirada de 52 mil pneus das ruas da cidade, o que corresponde a cerca de 33 toneladas de material.

Com a participação de mais de cem trabalhadores, a ação teve como objetivo remover das vias mais de 50 mil pneus, frequentemente descartados de maneira inadequada, o que contribui para a proliferação de doenças como a dengue por exemplo. Todos os pneus recolhidos foram encaminhados para empresa especializada na reciclagem desse tipo de material.

De acordo com o secretário municipal de Limpeza Urbana, Sabá Reis, a ideia é desenvolver esse serviço de quinze em quinze dias, para assim diminuir o número de pneus nas ruas, mas é importante que a população ajude. 

A população pode contribuir para esse esforço adotando práticas responsáveis de descarte de lixo e denunciando locais onde pneus e outros objetos são descartados de forma irregular, pelos telefones 98842-4738 ou 98401-2542, do Disque Limpeza.

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