Denis Minev (*) [email protected]
Alfredo MR Lopes (*) [email protected]
Há muitas Amazônias no contexto dos biomas tropicais e geopolítico. Temos as terras altas que não são alcançadas pela influência direta das enchentes, quase inacessíveis e com uma função climática essencial ao equilíbrio do Planeta; temos as várzeas fecundas onde o fenômeno da estiagem deixa preciosos nutrientes para agricultura de ciclo rápido. Temos a Amazônia dos Campos Gerais, um bioma idêntico ao Cerrado, onde milhares de hectares tem vocações diferenciaras do ponto de vista econômico e ecológico. São fragilidades e potencialidades de uma Amazônia que inclui relevos surpreendentes, cordilheiras destacadas que abrigam o relevo mais alto do país. Fomos agraciados com uma biodiversidade e geodiversidade vitalizadas por 1/5 da água doce da Terra. Por isso, a formatação de planos de desenvolvimento econômico de caráter sustentável supõe o compromisso prévio do conhecimento e exige resguardo prudente dos investimentos. O Plano de Desenvolvimento Sustentável apresentado nesta terça-feira, dia 8, pelo Instituto Escolhas, em audiência pública na Câmara dos Deputados, por esses motivos, sugere que sua elaboração foi feita por alguém que nunca ganhou um centavo como empreendedor na Amazônia. Eis algumas razões e contradições:
• GARGALO DA INFRAESTRUTURA
O Plano bate em todas as antigas teclas de diversificação da economia, sem transparecer que conhece o contexto do problema. Por exemplo, imaginar que a piscicultura não se desenvolveu no Amazonas – como ocorreu em Rondônia e Roraima – por falta de financiamento, significa desconhecer que os entraves principais estão relacionados com infraestrutura (transportes caríssimos, comunicação inexistente fora do raio das cidades, energia com fornecimento irregular) e com uma burocracia proibicionista infernal (há casos de empreendedores aguardando 2-3 anos por uma licença).
• OS NEGÓCIOS DA SILVICULTURA
E quando o Plano trata de infraestrutura, fala de uso do satélite e de porto terrestre e aéreo em Manaus. Dois itens importantes, mas insuficientes. Coincidentemente, apenas infraestrutura que não toque em uma árvore sequer. Ora, o Amazonas tem mais de 90% de sua cobertura vegetal conservada, embora a Lei obrigue a preservação de apenas 80%. Manejar, com critérios de sustentabilidade, por exemplo, 10% da oferta de madeiras que o Estado apresenta daria uma receita superior ao investimento sugerido em cinco anos.
• TURISMO SEM REALISMO
A proposta trata do ecoturismo com PPP, parceria público privada, em unidade de conservação. Ora, o turismo moderno tem de acontecer próximo a grandes aeroportos, nenhum turista se dispõe a viajar longas distancias até chegar ao destino pretendido. Qual unidade de conservação é atendida por aeroporto em um raio de 3 horas de viagem de barco a partir de Manaus? Como atender, especialmente, um ambientalista acostumado às conveniências do Leblon ou de Ipanema? Pode ser um produto turístico pequeno, com toque gourmet, um nicho bem resolvido, mas não vai gerar 200 mil empregos (nem 2 mil, na melhor das hipóteses).
• ESCASSEZ DE RECURSOS HUMANOS
Para empreender no setor de alta gastronomia, é preciso chefs diferenciados, de boas escolas, de bons marketeiros, bons empreendedores. Simplesmente essas pessoas ainda não existem aqui. A experiência de sucesso em Belém, com parceria sólidas com Universidades de alta gastronomia da Itália, tem um lastro denso, diversificado e antigo.
• VETO BUROCRÁTICO, FUNDIÁRIO E LOGÍSTICO
O Plano fala em polo moveleiro, provavelmente a iniciativa mais antiga da Amazônia e a mais perseguida por ambientalistas mal intencionados. Propõe financiar serrarias para modernizar a atividade sem saber que não reside aí o xis da questão. O autor, obviamente, desconhece os desafios que até mesmo empresas bem capitalizadas neste segmento tem enfrentado (vide Precious Woods/Mil Madeireira em Itacoatiara, Amata em Rondônia, Orsa no Amapá). O problema principal é de burocracia, fundiário (também ligado a burocracia) e logística/infraestrutura.
• “ECONOMICAMENTE VIÁVEL, ECOLOGICAMENTE ADEQUADO, POLITICAMENTE EQUILIBRADO E SOCIALMENTE JUSTO”.
Este é o conceito de Sustentabilidade que adotamos no Amazonas e que se baseia nas recomendações de Samuel Benchimol, nosso pensador e maior especialista em Amazônia de nossa História. O Plano apresentado pelo Instituto Escolhas, claramente, foi elaborado por alguém que tem em mente o imperativo ambiental como o mais importante, enquanto a estrutura econômica se revela fator secundário. Ora, se não assegurarmos uma base econômica robusta escassos serão os recursos para repor os estoques naturais e atender as demandas sociais. Mais uma evidência de que precisamos nos abraçar no adensamento, diversificação e fortalecimento do Polo Industrial de Manaus, como o único modelo viável que por aqui passou. Precisamos continuar buscando alternativas sustentáveis, mas com um pouco mais de realismo, densidade e viabilidade socioeconômica.
(*) Denis Minev, Universidade Stanford e da Pensilvânia, economista e Diretor-Presidente do Grupo Bemol. (*) Alfredo PUC-SP, UFAM e USP, filósofo e consultor do CIEAM