Por Thalita Eduarda, com informações das Agências Brasil e Amazonas, G1, MDS e BBC
Nas últimas semanas, os olhares de todas as partes do Brasil vêm se direcionando para as sucessivas marcas negativas em consequência da estiagem prolongada e das intensas queimadas que atingem a Amazônia, colocando em risco as pessoas, os animais e a floresta. Até o momento, os piores registros ocorrem no estado do Amazonas, onde, 60 dos 62 municípios já foram impactados pela seca e uma fumaça intensa vem sendo registrada na capital, Manaus.
A mais recente atualização do Boletim Estiagem 2023, divulgada pelo governo do Amazonas, na segunda-feira, 16, indica que 50 municípios estão em situação de emergência, dez em estado de alerta e somente dois municípios – Presidente Figueiredo e Apuí – em estado de normalidade.
Também na segunda-feira, o Rio Negro teve uma vazante de apenas 13,59 metros, a menor desde 1902, quando as medições começaram a ser realizadas. Até então, o último patamar tão baixo havia sido em 24 de outubro de 2010, quando a vazante foi de 13,63 metros.
Queimadas – Em Manaus, uma nuvem espessa de fumaça causada por queimadas no entorno, cobriu a cidade com maior intensidade na última semana. No monitoramento da World Air Pollution, com dados oficiais de 130 países, o ar da cidade foi considerado “perigoso”, com graves danos à saúde da população. De acordo com o último Boletim Estiagem 2023, divulgado ontem, 16, de 1º de janeiro a 15 de outubro, foram registrados 17.731 focos de calor no Amazonas.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, se comparados a outubro de 2022, os focos de calor cresceram 147% este mês, no estado do Amazonas, o que reverteu a tendência observada até setembro de redução dos incêndios no estado. Para ajudar a controlar a situação, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) anunciou, em 12 de outubro, o envio de mais 149 brigadistas para o Amazonas. Com isso, 289 brigadistas do Ibama devem atuar contra os focos de fogo.
Além disso, o governo federal se comprometeu a disponibilizar dois helicópteros para combate aos incêndios no estado. Essas aeronaves atuarão junto com outras, cedidas pelo Mato Grosso, Distrito Federal e Marinha, que já vêm sendo utilizadas nas ações de combate a focos de incêndio na Região Metropolitana de Manaus.
Governos se mobilizam para socorro a população amazonense
A seca extrema já afetou ao menos 557 mil pessoas no Amazonas, principalmente os moradores de zonas rurais e comunidades ribeirinhas, comprometendo a pesca, a navegação, a comercialização e isolando comunidades pesqueiras no Estado. Segundo diagnóstico do governador amazonense, Wilson Lima, cerca de 500 mil pessoas podem ficar sem acesso à água e comida, por isso, várias medidas estão sendo tomadas, nas diferentes esferas de governos.
O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) determinou o repasse de R$ 8,12 milhões pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), com prioridade para os municípios em estado de calamidade pública ou emergência reconhecido pelo Governo Federal, que participam do programa. O recurso vai possibilitar a compra de mais de 1,72 mil toneladas de produtos da agricultura familiar, pela modalidade doação simultânea do PAA, beneficiando 1.103 produtores do Amazonas que estão cadastrados no Programa.
Outras medidas foram anunciadas em 4 de outubro, durante a passagem por Manaus da comitiva liderada pelo vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. As ações envolvem a antecipação do pagamento do programa Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que serão feitas em 19 de outubro a todos os beneficiários que vivem nos municípios em estado de emergência; o repasse de até R$ 800, na forma de Auxílio Abrigamento, para moradores que tiveram suas casas destruídas na comunidade do Arumã, no município de Beruri, após um desbarrancamento de terra; pagamento de benefício no valor de R$ 850,00 aos pequenos agricultores, extrativistas e pescadores com renda de até 1,5 salário mínimo, que tiveram perda da produção por causa da estiagem, além da liberação antecipada de saque do Seguro Defeso.
Na área da saúde, também em 16 de outubro, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, anunciou o envio de R$ 225 milhões para reforçar o atendimento no Estado, em razão da forte estiagem. Do total, serão enviados R$ 102,3 milhões em parcela única, enquanto R$ 122,7 milhões serão incorporados ao teto de média e alta complexidade do estado. Até então, a atenção primária será reforçada em três municípios: As cidades de Lábrea, Tabatinga e São Gabriel da Cachoeira.
Ribeirinhos enfrentam escassez de água potável no interior do Pará
No oeste do Pará, a estiagem prolongada já afeta os rios Amazonas e Tapajós, prejudicando as regiões ribeirinhas, que estão com dificuldades de transporte e escassez de água potável. Até o fechamento desta reportagem, seis regiões do município de Santarém, que possui mais de 306 mil habitantes (IBGE 2020), estavam em situação de emergência.
Em Óbidos, também no oeste do estado, as dificuldades eram semelhantes. Na segunda-feira, 16, a Prefeitura do Município decretou situação de emergência nas áreas afetadas e autorizou a mobilização de todos os órgãos municipais para atuarem em resposta ao desastre e à reconstrução e reabilitação do local.
Uma das áreas que têm causado preocupação é a Reserva Resex Tapajós-Arapiuns, localizada em Santarém, onde vivem 23 mil pessoas em 74 comunidades e aldeias. Na sexta-feira, 13, o Ministério Público Federal (MPF) enviou uma recomendação à Prefeitura Municipal de Santarém, para que fosse realizado um levantamento de dados e informações sobre a estiagem na região. O objetivo do levantamento é avaliar a hipótese de declaração de emergência da reserva, dado o risco humanitário em razão do iminente desabastecimento de água potável e de alimentos na região.
Efeitos da estiagem se estendem pelos diversos rios da Amazônia
Na sexta-feira, 13, o rio Madeira (que banha o estado de Rondônia), atingiu nível histórico de seca, chegando a medir 1,10 metros neste mês de outubro, de acordo com o Boletim de Monitoramento Hidrológico do Serviço Geológico do Brasil (CPRM/SGB). Os níveis da água do rio são os mais baixos já registrados nos últimos 50 anos.
Antes mesmo dessa marca, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) declarou situação crítica de escassez quantitativa de recursos hídricos no Rio Madeira. A medida foi publicada em portaria no Diário Oficial da União de 10 de outubro e vale até 30 de novembro de 2023.
No início deste mês, a Usina Hidrelétrica de Santo Antônio, uma das maiores geradoras de energia do Brasil, localizada em Rondônia, já havia paralisado suas atividades, sem previsão de retorno, também em decorrência da vazante do rio. “O desligamento visa preservar a integridade das unidades geradoras da hidrelétrica, por isso a operação foi temporariamente interrompida”, informou a empresa, à época.
Em Roraima, o Rio Branco (principal rio do estado) também já sente os efeitos da seca. De acordo com a última medição da Agência Nacional de Águas (ANA), feita em 12 de outubro, além de perder volume de água de maneira acentuada, o rio está com o nível abaixo da média prevista para o mês, tendo registrado a marca de 1,05 metro, quando o ideal para o período seria de 2,10 metros.
Considerado fonte de água potável, a seca no Rio Branco tem preocupado a população dos municípios de Boa Vista, Bonfim, Cantá, Amajari, Normandia, Pacaraima e Uiramutã. Com isso, uma das medidas tomadas pelo governo de Roraima, anunciadas na segunda-feira, 16, foi a operação “Verão Seguro”, voltada para a perfuração de poços artesianos para enfrentar uma possível crise no abastecimento de água.
Outra medida já anunciada em Roraima foi a contratação de 240 brigadistas para atuarem no combate aos incêndios florestais. Devido ao contraste das temperaturas, os moradores de Boa Vista presenciaram uma chuva de granizo, na noite de sábado, 14 de outubro. A capital roraimense registrou diversos estragos nos bairros devido à forte tempestade.
Outro rio afetado pela estiagem é o Rio Acre, que banha o estado do Acre. No início do mês, o rio chegou ao nível de 1,50 metro. Segundo estimativa da Defesa Civil Municipal divulgada na época, cerca de 17 mil pessoas já tinham sido afetadas pelo desabastecimento de água. Uma das alternativas encontradas pelo governo do Estado é abastecer as casas dos moradores com caminhões-pipa.
Peixes e botos continuam morrendo na região
Em entrevista à CNN, na semana passada, o superintendente Federal de Pesca e Aquicultura (SFA) do Amazonas, Algemiro Ferreira Lima Filho, contou que 80% dos pescadores do Amazonas, cerca de 112 mil pescadores, já sofreram prejuízos com a seca. Isso porque peixes estão morrendo, o que impacta nas atividades econômicas e de subsistência de comunidades que têm o animal como a principal fonte de renda e alimento.
Também no Amazonas, desde setembro deste ano, mais de uma centena de botos foi encontrada morta no Lago de Tefé, no município com o mesmo nome. No total, 153 animais, sendo 130 botos vermelhos e 23 tucuxis, já foram encontrados mortos no lago, que vem registrando temperaturas de quase 40º em suas águas. A informação é do último boletim, divulgado em 16 de outubro, pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que coordena os trabalhos das equipes envolvendo mais de 100 profissionais na região.
Estiagem prolongada preocupa empresários da Zona Franca de Manaus
Em decorrência da vazante histórica dos rios, empresas da Zona Franca de Manaus (ZFM) têm sido obrigadas a embarcar menos produtos. O problema imediato, nesse caso, é a elevação do custo do frete fluvial. Porém, com a situação prolongada de estiagem e a paralisação das atividades das empresas de cabotagem e praticagem que atuam nos rios Madeira e Solimões, os fabricantes já estão em alerta – especialmente porque épocas de alto consumo, como a Black Friday e o Natal, estão batendo à porta.
Até o momento, mais de 30 empresas da Zona Franca decidiram antecipar as férias coletivas para este mês – só deveriam ocorrer em dezembro. A estimativa é que essa decisão envolva um número de 10 mil a 15 mil trabalhadores. Segundo informado ao site G1 por Valdemir Santana, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Amazonas (Sindmetal), o motivo do recesso é a escassez de matéria-prima antes do previsto.
Dentre as preocupações dos empresários está a demora do início das obras de dragagem dos rios Madeira e Solimões. Embora o anúncio da liberação de quase R$ 140 milhões para as obras tenha sido feito no fim do mês passado, e as ordens de serviço assinadas pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, no último dia 4, até o momento, as obras, consideradas fundamentais para assegurar a navegabilidade dos rios, e o consequente escoamento de produtos, não avançaram.
“Na prática, ainda não foi feito nenhum tipo de trabalho para que o rio voltasse a ter sua navegabilidade em alguns pontos específicos. A Marinha está monitorando, mas, infelizmente, o setor de cabotagem e de praticagem da região já anunciou a paralisação da navegação em decorrência da impossibilidade de os navios entrarem nos rios pelo baixo calado. Então, isso é um ponto preocupante”, critica Jorge Nascimento, presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros).
Em nota enviada à redação da PIM Amazônia, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) afirmou que “em relação à dragagem do Rio Solimões entre Tabatinga e Benjamin Constant, os serviços tiveram início nesta segunda (16/10), após autorização da Capitania dos Portos. A supervisora está realizando a batimetria e as máquinas já estão no local. A estimativa é que os serviços sejam realizados pelo período de 45 a 60 dias”.
No caso do Rio Madeira, no entanto, o DNIT não sinaliza prazo algum para o início de trabalhos relacionados à dragagem, limitando-se a informar que “a autarquia identificou a necessidade na região do Tabocal (Itacoatiara) na Foz do Rio Madeira, a situação de emergência já foi avaliada e o serviço já está previsto para ser liberado, após aprovação dos projetos.”
Seca compromete produção agrícola na Amazônia
A falta de chuva, o aumento da temperatura e a redução na umidade do solo já afetam áreas destinadas para a agricultura e a pecuária em 79 municípios da região amazônica, na comparação com o mês de agosto, quando 70 cidades registraram os efeitos da seca extrema.
De acordo com as informações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), dos 144 municípios do Pará, por exemplo, 55 sentiram os impactos da estiagem no mês de setembro. Deste total, 22 municípios estão com mais de 80% das áreas agroprodutivas afetadas, e outros 20 tiveram entre 60% e 80% das áreas destinadas à produção agrícola e à pecuária comprometidas pelas consequências da seca extrema.
A situação também é grave em Roraima, onde, segundo os dados do Cemaden, a estiagem prejudicou mais de 80% das áreas agrícolas de 13 dos 15 municípios do estado.
El Niño e Aquecimento do Atlântico Tropical Norte potencializam os efeitos da seca na região
Apesar de secas e cheias serem fenômenos naturais da Amazônia, neste ano, contudo, as circunstâncias estão sendo diferentes. Em 2023, a região está sendo afetada por dois fenômenos naturais: o Aquecimento do Atlântico Tropical Norte.
O El Niño é a flutuação mais poderosa no sistema climático em qualquer lugar da Terra, sendo responsável por aquecer as águas do Oceano Pacífico. No Brasil, se traduz em menos chuvas e aumento das temperaturas em parte das regiões Norte (principalmente nos estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima) e Nordeste. A última vez que o fenômeno se formou foi em 2016 e seus efeitos foram sentidos em todo o mundo.
Já o aquecimento do Atlântico Tropical Norte, que acontece do outro lado do continente, é responsável por inibir a formação de nuvens, reduzindo o volume de chuvas na região da Amazônia.
Cientistas ouvidos pela BBC News Brasil dizem que as perspectivas são preocupantes, pois os dados indicam que as chuvas podem demorar um pouco mais para chegar na maioria dos estados da Amazônia. Eles temem ainda que, um agravamento do El Niño, por exemplo, atrase o início da estação chuvosa, diminuindo o nível dos rios no próximo ano, repetindo o ciclo de seca.
Tocantins sente efeitos da transição para o período chuvoso
O estado do Tocantins já está em transição para o período chuvoso. O que, em princípio, é um sinal de alívio, vem, no entanto, gerando problemas. Algumas regiões têm registrado grande volume de chuvas, com fortes ventanias, apesar de a temperatura máxima permanecer em alta.
No último dia 14, em Araguanã, no norte do estado, casas foram destelhadas, tendas arrancadas e árvores derrubadas. Em Guaraí, na região centro-norte do Tocantins, houve até mesmo chuva de granizo, no dia 10 deste mês.
Uma das áreas com previsão de receber fortes pancadas de chuvas nos próximos dias, é a região da Ilha do Bananal, uma das principais fontes de água doce do mundo. Durante o período da estiagem, o Rio Javaés, o principal rio que forma a ilha, foi severamente afetado. Fonte essencial de água para indígenas que moram na área e animais, o rio entrou em situação crítica. Em vários trechos não havia correnteza, causando a morte diversos animais.