Da Redação, com informações das Agências Senado e Brasil e do STF
Por 43 votos a favor e 21 contrários, o Plenário do Senado aprovou, na quarta-feira, 27, o projeto de lei que estabelece que os povos indígenas só têm direito ao usufruto exclusivo das terras que já ocupavam ou reivindicavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal – tese conhecida como marco temporal. O projeto segue agora para sanção presidencial e, em caso de veto, retornará ao Congresso – que poderá derrubar, ou não, o veto de Lula.
A aprovação no Senado ocorreu menos de uma semana após o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar inconstitucional a tese do marco temporal. Na avaliação do relator, senador Marcos Rogério (PL-RO), o projeto é uma oportunidade de devolver segurança jurídica ao Brasil do campo. Ele disse que hoje há um sentimento de insegurança e desconforto no meio rural, por conta da indefinição do limite para demarcação. Para o senador, a decisão do STF em considerar o marco temporal como inconstitucional não vincula o Legislativo.
“Esta é uma decisão política. Hoje, estamos reafirmando o papel desta Casa. Com esse projeto, o Parlamento tem a oportunidade de dar uma resposta para esses milhões de brasileiros que estão no campo trabalhando e produzindo”, declarou.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco afirmou que não houve, por parte da Presidência da Casa, nenhum “açodamento” para apressar a votação. Pacheco negou que a aprovação do projeto seja um enfrentamento ao STF e pediu foco na conciliação e no respeito entre os Poderes. “Não há sentimento revanchista com a Suprema Corte. Sempre defendi a autonomia do Judiciário e o valor do STF. Mas não podemos nos omitir do nosso dever: legislar”, declarou.
“É natural que o Congresso Nacional possa decidir a esse respeito e isso pode inclusive subsidiar o Supremo Tribunal Federal em relação ao entendimento quanto a esse tema. É muito natural, não há nenhum tipo de adversidade ou de enfrentamento com o Supremo Tribunal Federal, é apenas uma posição do Congresso, considerando que nós reputamos que temas dessa natureza devem ser deliberados pelo Congresso Nacional”, reforçou posteriormente Pacheco, em coletiva à imprensa.
Na visão do líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), é inócuo votar um projeto que tem um sentido contrário ao que o STF decidiu como constitucional. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido), disse que o projeto traz questões que vão além do marco temporal. Ele citou que o texto prevê até explorar e plantar transgênicos nas terras indígenas.
“Isso é inconstitucionalidade flagrante. Retroceder a demarcação é mais que inconstitucional. Por óbvio, será acionada a Suprema Corte”, argumentou Randolfe, que já afirmou publicamente que defenderá o veto presidencial.
Para a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), o projeto tenta modificar o texto da Constituição de 1988. Ela lembrou que, na semana passada o STF já decidiu a questão, ao considerar o marco temporal como inconstitucional. Na visão da senadora, é desumano usar os povos indígenas como disputa entre o Legislativo e o Supremo. Eliziane ainda afirmou que a aprovação marca “um dia triste” para o meio ambiente.
“Se é mudança na Constituição, tem que ser PEC [proposta de emenda à Constituição]. O que estamos votando hoje, o STF claramente derrubou por nove votos a dois. Este projeto está fadado ao veto presidencial”, registrou a senadora.
O senador Alessandro Vieira (MDB-SE) também registrou que a tese do marco temporal já foi reconhecida como inconstitucional pelo Supremo. Ele disse que a votação do projeto não passava de “um teatro, muito bonito para as redes sociais”, mas que não geraria consequências jurídicas, pois um projeto de lei não poderia fazer mudanças constitucionais. “Que ganho há em colocar esta Casa em mais um constrangimento?”, questionou o senador.
Indenização – Também na quarta-feira, 27, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou a tese de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) 1017365, em que o Tribunal rejeitou a possibilidade de adotar a data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) como marco temporal para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.
Entre outros pontos, ficou definido que, nos casos em que a demarcação envolva a retirada de não indígenas que ocupem a área de boa-fé, caberá indenização, que deverá abranger as benfeitorias e o valor da terra nua, calculado em processo paralelo ao demarcatório, garantido o direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso. Não haverá indenização nas terras indígenas que já estejam reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, a não ser que o caso já esteja judicializado.